sexta-feira, 24 de março de 2017

Igualdade de gênero: Repensando a educação dos meninos


Ilustração do Guia "Adolescentes, jovens e educação em sexualidade"Ilustração do Guia “Adolescentes, jovens e educação em sexualidade”
No mês do Dia Internacional da Mulher, é inevitável (e desejável, inclusive) que sejam retomadas reflexões e diálogos sobre as desigualdades de gênero. Dentre os desafios que pipocaram em conversas e leituras nessa primeira quinzena está o de educar meninos para que eles não reproduzam violências simbólicas, verbais, psicológicas, sexuais e físicas contra meninas e mulheres.
A importância de discutir gênero com esse público é inegável: se meninos e homens são parte do problema, também têm um papel importante na solução. Uma primeira barreira que precisa ser quebrada é a interpretação de que a violência de gênero se restringe só à violência física ou ao desrespeito/confrontação direta de uma pessoa para com a outra (“Eu, reproduzindo violência contra a mulher? Imagina, eu jamais encostaria um dedo na minha namorada!”). Da mesma forma como as pessoas de pele branca, por exemplo, têm dificuldade em perceber o caráter institucional do racismo, achando-o reduzido ao preconceito racial.
As violências de gênero estão no que ensinamos aos meninos sobre como se relacionarem com as meninas e quais expectativas terem dessas relações (É normal querer que a namorada só saia para se divertir comigo, porque “tenho ciúmes”? É aceitável que eu interfira nas roupas que ela usa? E ter acesso à conta dela no Facebook, mensagens de Whatsapp…?). Está no que ensinamos sobre sexualidade (Que sinais devem ser entendidos como os de alguém que está interessada em mim? Antes de beijar uma garota, devo perguntar se posso? Falar que essa é a minha intenção?). E no uso que fazemos da tecnologia (Se um amigo me manda uma foto da ex-namorada sem roupa, o que eu faço? E se essa garota começar a ser assediada na escola porque a mesma foto foi enviada para outras pessoas também?).
Existem materiais disponíveis na web que sugerem formas de começar a trabalhar essas e outras questões, como o Plano de aula da iniciativa “O Valente não é Violento”, coordenada pela ONU Mulheres; o guia “Adolescentes, Jovens e Educação em Sexualidade” do Instituto Promundo; e a cartilha LIVERESPECT (“Viva o respeito”, ou “Viva, respeite”, em tradução livre), da organização norte-americana A Call to Men (“Um chamado para os homens”). Esta última está disponível somente em inglês, mas o cofundador da ACTM Tony Porter aparece em um vídeo do evento TED Women em 2010 que possui legendas em português no site do TED Talks.
Além de incitar a reflexão sobre comportamentos dos estudantes, é vital olhar também para o papel e as atitudes dos educadores no ambiente formal de ensino: Como a escola responde a situações de violência de gênero que acontecem dentro e fora de seus muros? Existe consenso entre o corpo docente sobre como agir nos casos de assédio dentro da escola? E quando o problema está dentro de casa e afeta o desempenho escolar do ou da estudante?
Fácil seria interpretar que a escola não tem nada a ver com o tema: sua missão é alfabetizar, ensinar matemática, física, geografia… e não interferir nas relações entre os educandos, isso é educação que vem de casa! Em Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire fala sobre a impossibilidade de a educação ser neutra diante daquilo que acontece no mundo e sobre o seu caráter técnico, do ponto de vista do ensino de conteúdos, mas também ético, que implica em fazer escolhas e intervir diariamente sobre a realidade. “Para que a educação fosse neutra era preciso que não houvesse discordância nenhuma entre as pessoas com relação aos modos de vida individual e social, com relação ao estilo político a ser posto em prática, aos valores a ser encarnados”, explica o educador.
Por essa mesma razão é que se faz necessário o processo de desconstrução daquilo que foi aprendido, mas nunca dialogado. Porque sem a consciência de como nossas atitudes nos afetam e afetam aos outros (e principalmente estes), tomaremos sempre decisões de maneira inconsciente, “automática”, já que nunca fomos incitados a cavar mais fundo para descobrir o que está debaixo da superfície.
* Artigo escrito por Paula Nishizima, jornalista e educomunicadora do coletivo Parafuso Educomunicação. O Parafuso Educom é colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no Blog Educação e Mídia.

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