sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

3 de cada 4 alunos não sabem matemática do 9º ano em 85% dos municípios

Os números são alarmantes. Apesar de pequenas melhoras nos últimos anos, 85,3% dos municípios brasileiros têm menos de 25% dos estudantes com aprendizagem adequada em matemática no 9º ano do ensino fundamental, incluindo escolas públicas e privadas. Essa deficiência aumenta no ensino médio, onde apenas 7,3% dos alunos no país conseguem superar o mínimo de conhecimento considerado adequado para essa etapa.
“Esse resultado reafirma a necessidade de políticas específicas para cada uma das etapas [da educação básica] para dar saltos expressivos em qualidade. Só colocar as crianças dentro das escolas, que é um avanço, mas continuar a escola com um modelo antiquado não vai dar certo”, diz Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do Movimento Todos pela Educação, entidade que acompanha os percentuais de alunos nos municípios com proficiência adequada em matemática e língua portuguesa.
O cenário em língua portuguesa é um pouco melhor, mas também deixa muito a desejar. Em 43,5% dos municípios, 3 em cada 4 alunos não têm aprendizagem adequada nesta disciplina; em outros 50,6% dos municípios, a quantidade de estudantes com aprendizagem adequada não passa da metade do total de alunos. O desempenho no 9º ano considerado adequado na análise é de 275 pontos em língua portuguesa e 300 pontos em matemática, número estipulado a partir da média conquistada por alunos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em avaliações internacionais, como o Pisa.

Matemática: tendão de Aquiles

A matemática está longe de ser um bicho-de-sete-cabeças. O que faz com que muitos brasileiros afirmem não gostar da matéria ou não entender é fruto de uma série de fatores. O primeiro deles é a formação deficiente dos professores nas universidades.
“Mais do que dar a resposta pronta, o professor precisa instigar o aluno para que ele aprenda a ter raciocínio lógico e chegue à resposta, mas ainda vemos professores centrados no conteúdo, repetindo exercícios e achando que o aluno está aprendendo matemática, também nas escolas particulares, mas não é verdade”, afirma o professor Gilmar Bornatto, coordenador do curso de Matemática da PUCPR. “Isso precisa ser ensinado na formação inicial do professor”.
Outro ponto seriam as condições de trabalho dos professores, que tornam quase impossível implantar melhorias no ensino. “Como alguém pode adaptar qualquer coisa [diferente para melhorar a aprendizagem] se precisa trabalhar 80 horas por semana, em três ou quatro escolas diferentes para, efetivamente, conseguir sobreviver?”, pergunta Carlos Eduardo Mathias Motta, do departamento de Matemática Aplicada da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, pesquisador em novas tecnologias de ensino, em entrevista por e-mail. “Não podemos deixar de fora a valorização do professor, que se dá por meio de melhores salários e condições de trabalho, que permitiriam a ele ter tempo para executar seus estudos e planejamentos de forma satisfatória”, completa.
Ao mesmo tempo, falta, principalmente nas escolas públicas – ainda que isso também aconteça em algumas particulares –, uma avaliação do desempenho do professor em sala de aula. “Deveria haver uma avaliação anual do professor, para ver se ele sabe conhecimentos básicos, e encaminhar para reciclagem caso isso não aconteça. Hoje temos professores de matemática que estão resolvendo errado uma equação de segundo grau, por exemplo”, alerta Gilmar Bornatto.
Da parte do aluno, a matemática é uma ciência que demanda um trabalho extra em casa. Nesse cenário, estudantes de famílias mais vulneráveis economicamente ou com pais sem ensino superior terão mais dificuldade para insistir nos estudos ou tirar dúvidas que apareçam.

A pior fase de todas: o ensino médio

Na última etapa da educação básica, o desempenho em matemática piora ainda mais, o que não é uma novidade. “Já há bastante tempo que uma das coisas mais difíceis de serem feitas no Brasil é montar um teste de matemática no nível de 3ºano do ensino médio. Se não fossem pelos itens de 9ºano do ensino fundamental que a tais testes são comuns, praticamente haveria apenas respostas aleatórias. A proficiência média dos egressos do ensino médio brasileiro é pouco maior do que a proficiência média dos egressos do ensino fundamental”, aponta Carlos Mathias, da UFF.
Para o professor, as políticas públicas devem centrar-se em reduzir a evasão escolar no ensino fundamental e no 1º ano do ensino médio por meio de um currículo mais atraente para os estudantes e que, de fato, faça com que eles sintam que valha a pena permanecer na escola.

Avanço até o 5º ano

O levantamento confirmou a melhora nas notas tanto de português quanto de matemática nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano). Entre 2005 e 2015, caiu de 62,6% para 13,7% o número de municípios com mais de 75% dos alunos sem conhecimentos suficientes em língua portuguesa no 5º ano fundamental. A melhora em matemática também é significativa: nos dez anos, o número de municípios com mais de 75% dos alunos sem proficiência adequada na disciplina caiu de 86,1% para 30%.
O estudo confirmou ainda um dado comprovado em outras pesquisas: municípios com famílias de nível socioeconômico mais alto têm melhores notas do que aqueles com populações mais pobres.

Matemática é para você sim!

A matemática é um meio necessário para viver bem, conquistar novos conhecimentos e, porque não dizer, não ser enganado no dia a dia. E não é difícil como parece, apesar de uma série de circunstâncias e argumentos que insistem no contrário.
“Precisamos também de iniciativas em larga escala que divulguem a matemática como algo possível para todos e promova a domesticação de um monstro que hoje vive dentro de milhões de brasileiros”, afirma o Carlos Mathias, do departamento de Matemática Aplicada da UFF.
Boas iniciativas, como a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBMEP), por exemplo, não podem reforçar a ideia de que a matemática é para poucos. “É de responsabilidade da escola a educação matemática de todos”, insiste,” dom ou talento têm nada a ver com isso”.
O desfio a ser vencido, na opinião do professor, é o de construir um currículo “que seja sensível às especificidades culturais e à autonomia das escolas”. “A internet virou uma vitrine de dados, caótica, e isso tem consequências sobre os alunos. Precisamos de um currículo que permita não apenas o acesso aos dados da internet, mas que fomente também análises desses dados e a construção de conhecimentos, assim como a articulação de tais conhecimentos em quadros mais amplos”.

Sobre agressividade, violência e Educação

Qualquer pessoa que esteja razoavelmente atenta aos noticiários ficará muito aflita com as manifestações da chamada violência escolar. Recentemente oi veiculada uma reportagem com cenas sérias, que mostram agressão física grave entre adolescentes e professores. Não podemos esquecer, contudo, o óbvio: entre a realidade e aquilo que aparece na televisão existe um recorte.

Luciano Mendes/ Gazeta do Povo
Tomei conhecimento desta reportagem na Audiência Pública realizada na Câmara dos Vereadores de Curitiba, no dia 27/05. Mais um indício de que existe uma preocupação conjunta acerca da questão. Intitulada “Reféns da Violência Escolar”, logo de entrada o presidente da mesa transmitiu as cenas acima descritas. O curioso é que de vários modos os ditos ‘reféns’ são entendidos como apenas os professores. Das figuras que ocuparam a Tribuna nesta discussão, as falas que geraram maior entusiasmo da plateia, ao que me pareceu, foram as que compactuaram com esta visão. Gostaria de propor brevemente outra forma de olhar, que talvez nos ajude a agir de modo educativo e a produzir uma convivência melhor nas escolas e na sociedade em que vivemos.
Agora cabe perguntar: o que é um indivíduo moral e ético? Por oposição aos monstros que espancam seus professores, é aquele desprovido de qualquer atitude agressiva? Certamente esta seria uma maneira muito reducionista de interpretar a pergunta. Freud falava que temos uma pulsão amorosa (Eros) e uma pulsão agressiva ou de morte (Tânatos). Ambas precisam ser controladas, pelas vias da educação e da cultura, para que possamos viver uns com os outros. Dessa perspectiva, é necessária uma renúncia para que se estabeleçam comportamentos adequados para a coletividade, salvando-nos todos das nossas próprias paixões.
Quando experimentamos uma profunda desestruturação das relações de autoridade entre crianças, jovens e adultos devemos admitir – embora muitas vezes nosso instinto seja negar – que são as vias da educação e da cultura que precisam ser transformadas. Ou seja, miramos numa determinada direção e hoje colhemos os resultados. Só que não nos reconhecemos no espelho que são os mais jovens, os espelhos da educação e da cultura.
Afinal, como crianças e adolescentes aprendem condutas e comportamentos? Há um ditado que diz que as palavras comovem, mas os exemplos arrastam. Essa frase é simples, parece apenas um jargão bobo, mas resume bem algo que nos doemos em admitir: se crianças e adolescentes se mostram refratários ao controle saudável da sua agressividade é porque não têm oportunidades realmente educativas para o fazerem. É porque não vivenciam cotidianamente os adultos, que são suas referências morais. Vamos pensar no caso do trânsito: ataques constantes entre motoristas, xingamentos, falta de gentileza, extremo egoísmo e desejo de vingança. Essas atitudes são esperadas de crianças pequenas, que ainda não sabem se controlar, mas não deveriam ser atitudes corriqueiras de adultos – ainda mais se forem pais ou professores.
Toda demanda que se pretende educativa tem eficácia maior quando vence a prova da coerência entre o discurso e a ação. Isso é capaz de produzir um sentimento de estabilidade na criança e facilita o processo pelo qual ela precisa internalizar regras e normas. Tornar-se um ser moral – já que essa passagem é realmente difícil e exige de nós uma renúncia. Tomando essa coerência como base de tudo que fazemos como pais e educadores, teremos certamente um resultado melhor naquilo que esperamos dos menores.
Se desejamos reverter o quadro geral da violência hoje, precisamos começar a perceber como nós somos de alguma forma co-autores da mesma. Em Educação não existem respostas simples e instantâneas: apenas uma reflexão profunda sobre as múltiplas causas do sentimento de desintegração nas relações humanas poderá oferecer a real possibilidade de vivermos melhor. Como sempre, o caminho mais difícil é o caminho certo e isso é, aliás, falar sobre moralidade.