segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Por que as crianças francesas não têm Deficit de Atenção?

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 Nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França, a percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é inferior a 0,5%. Como é que a epidemia de TDAH, que tornou-se firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França?
TDAH é um transtorno biológico-neurológico? Surpreendentemente, a resposta a esta pergunta depende do fato de você morar na França ou nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os psiquiatras pediátricos consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O tratamento de escolha também é biológico – medicamentos estimulantes psíquicos, tais como Ritalina e Adderall.
Os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do contexto social subjacente com psicoterapia ou aconselhamento familiar. Esta é uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança.
Os psiquiatras infantis franceses não usam o mesmo sistema de classificação de problemas emocionais infantis utilizado pelos psiquiatras americanos. Eles não usam oDiagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou DSM. De acordo com o sociólogo Manuel Vallee, a Federação Francesa de Psiquiatria desenvolveu um sistema de classificação alternativa, como uma resistência à influência do DSM-3. Esta alternativa foi a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent), lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores bandaids farmacológicos para mascarar os sintomas.
Na medida em que os médicos franceses são bem sucedidos em encontrar e reparar o que estava errado no contexto social da criança, menos crianças se enquadram no diagnóstico de TDAH. Além disso, a definição de TDAH não é tão ampla quanto no sistema americano, que na minha opinião, tende a “patologizar” muito do que seria um comportamento normal da infância. O DSM não considera causas subjacentes. Dessa forma, leva os médicos a diagnosticarem como TDAH um número muito maior de crianças sintomáticas, e também os incentiva a tratar as crianças com produtos farmacêuticos.
A abordagem psico-social holística francesa também permite considerar causas nutricionais para sintomas do TDAH, especificamente o fato de o comportamento de algumas crianças se agravar após a ingestão de alimentos com corantes, certos conservantes, e / ou alérgenos. Os médicos que trabalham com crianças com problemas, para não mencionar os pais de muitas crianças com TDAH, estão bem conscientes de que as intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos Estados Unidos, o foco estrito no tratamento farmacológico do TDAH, no entanto, incentiva os médicos a ignorarem a influência dos fatores dietéticos sobre o comportamento das crianças.
E depois, claro, há muitas diferentes filosofias de educação infantil nos Estados Unidos e na França. Estas filosofias divergentes poderiam explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem comportadas do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos parentais divergentes em seu recente livro, Bringing up Bébé. Acredito que suas idéias são relevantes para a discussão, por que o número de crianças francesas diagnosticadas com TDAH, em nada parecem com os números que estamos vendo nos Estados Unidos.
A partir do momento que seus filhos nascem, os pais franceses oferecem um firme cadre- que significa “matriz” ou “estrutura”. Não é permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem. As refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças francesas aprendem a esperar pacientemente pelas refeições, em vez de comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebês franceses também se adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam seus bebês chorando se não dormirem durante a noite, com a idade de quatro meses.
Os pais franceses, destaca Druckerman, amam seus filhos tanto quanto os pais americanos. Eles os levam às aulas de piano, à prática esportiva, e os incentivam a tirar o máximo de seus talentos. Mas os pais franceses têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as crianças se sentirem seguras e protegidas. Limites claros, eles acreditam, fazem a criança se sentir mais feliz e mais segura, algo que é congruente com a minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente, os pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças da “tirania de seus próprios desejos”. E a palmada, quando usada criteriosamente, não é considerada abuso na França.
Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para mim que as crianças francesas não precisem de medicamentos para controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início de suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem compreendidas, e a hierarquia familiar é clara e firme. Em famílias francesas, como descreve Druckerman, os pais estão firmemente no comando de seus filhos, enquanto que no estilo de família americana, a situação é muitas vezes o inverso.
 Texto original em Psychology Today
Marilyn Wedge, Ph.D

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

'Não se muda a realidade do ensino médio apenas mexendo no currículo'

Paulo Carrano é um dos autores de manifesto contra projeto da Câmara que discute mudanças no ensino médio

Os indicadores educacionais mostram que o ensino médio é a etapa em que as garantias de qualidade estão mais distantes da realidade. Por conta disso, governo federal e parlamentares decidiram criar agendas paralelas sobre possíveis mudanças para a etapa. O resultado, na opinião do pesquisador Paulo Carrano, coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, foi “desastroso”.
Divulgação Anped
Paulo Carrano defende que estudantes e professores tenham voz
A falta de diálogo entre o Ministério da Educação e Congresso Nacional levou à criação de uma proposta de reformulação do ensino médio, por comissão especial de deputados designada para estudar o tema, criticada por especialistas e entidades. Carrano, que é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), é um dos autores do manifesto que critica o projeto aprovado em dezembro pela comissão da Câmara dos Deputados.
Carrano diz que a proposta fragmenta o ensino médio e cria uma escola dual: que ou prepara para o vestibular ou para o mundo do trabalho. Isso porque, segundo o projeto aprovado, os estudantes do terceiro ano teriam de escolher apenas uma área do conhecimento para estudar (linguagens, matemática; ciências da natureza ou humanas) ou optar pela formação profissional. O aluno poderia cursar a última série novamente, caso quisesse estudar outra área do conhecimento.
Para o professor, cujo grupo de pesquisa mantém um portal que conecta escolas e professores de todo o país a pesquisadores interessados no ensino médio, a proposta não se conecta com o pacto lançado pelo Ministério da Educação para melhorar a etapa e não escuta professores e estudantes. “O documento tem muitas contradições e esperamos debatê-lo este ano”, afirma.
Confira os principais trechos da entrevista:
 O ensino médio é a etapa que possui os piores indicadores educacionais no Brasil e, por conta disso, se tornou o grande “problema” na opinião de gestores, especialistas. O senhor acredita que o ensino médio vive uma crise?Paulo Carrano: Todos falam muito em crise de identidade do ensino médio, mas o que ocorre não é isso. Crise de identidade é quando não se sabe para onde ir. Nós temos propostas. O que falta é uma direção mais clara para atingi-las. Há uma disputa em torno do ensino médio. O que se vê na proposta de reformulação apresentada pela comissão da Câmara dos Deputados que discute o tema, por exemplo, são setores empresariais tentando moldar à sua imagem e semelhança o ensino médio, tentando criar uma escola dual: uma esteira de caminho para universidade para poucos e outra, já que nem todos podem ir para a universidade, que cria um atalho para o mercado de trabalho. Isso resulta em uma formação fragmentada, comprometendo o pressuposto da educação básica, que é a formação do humano e que não se restringe ao mercado. Inserir-se no mundo como cidadão pleno não se faz com escola dual: de excelência para uns e aligeirada para outros. Por outro lado, não se muda realidade da escola, em uma rede tão enorme, apenas por medidas que mexem no currículo ou nas questões que não são estruturais.
 Qual é o problema da escola de ensino médio hoje? O que seriam essas “questões estruturais”?Carrano: O problema é complexo e composto por fatores que não são atacados de maneira organizada hoje. Há um problema de infraestrutura nas escolas, que não se aparelharam para o crescimento das matrículas que ocorreu a partir da década 1990. Não houve crescimento de qualidade suficiente. Temos dificuldades sérias de formação dos professores, que começam na licenciatura porque ela não acompanha a complexidade do conhecimento do mundo de hoje, tão integrado em sistemas de informação. A licenciatura divide os saberes em áreas muito disciplinares. O professor não se prepara para reconhecer esse jovem que está aí. Também há problemas sérios na própria condição docente que se refletem no ensino médio: salários muito aquém da necessidade desses professores; as redes (nesse caso, a maioria estadual) não oferecem condições para que esse professor se dedique a uma mesma instituição. O professor em turno integral na mesma escola é coisa bem distante. O professor do ensino médio não se sente da escola, se sente passando pela escola.
Mas o senhor acredita que o currículo precisa mudar ou as definições já são claras?Carrano: Não há consenso na sociedade sobre o que se espera do ensino médio. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Constituição falam em formação humana integral, que dê ao jovem um horizonte ético, politico, cultural, científico. Mas, por outro lado, querem utilizar esse momento para combater um apagão de mão de obra, usando o ensino médio como instrumento de desenvolvimento econômico apenas. Esse é um campo de disputa permanente. Não temos condições hoje, pelas características da rede, de unificar essas posições. O governo lançou um pacto tentando construir um conceito unificado sobre o ensino médio, mas há conflito na qualidade que cada um defende. Nesse sentido, o currículo passa a ser a via mais maleável e menos estrutural para se tentar buscar mudanças. O currículo materializa o horizonte que se quer alcançar numa escola. O relatório da Comissão de Reformulação do Ensino Médio cria no 3º ano um campo de opção que vai fazer uma seletividade muito grande. Os que não têm horizonte de ir para universidade vão fazer escolhas profissionais. É uma visão que nos remonta à década de 1970, de uma escola instrumental e dualista. Ainda que nem todos precisem ir para universidade, o horizonte de chegar é um direito de todos. Não podemos institucionalizar a desigualdade.
 Existe algum aspecto que pode ser priorizado para melhorar a qualidade de ensino oferecida nessa etapa ou é preciso fazer todas as mudanças necessárias ao mesmo tempo?Carrano: Podemos pensar em tudo junto e criar um escalonamento de ações com bases realistas para execução. Temos um vício no Brasil de fazer planos e metas e não criar bases estruturais para alcançá-los. É preciso ter uma perspectiva de totalidade, mas planejar e hierarquizar ações. Um caso muito específico, por exemplo, que está no projeto: restringir o ensino médio noturno para aqueles que têm mais 18 anos. As estatísticas mostram que há milhões de jovens de 15 a 17 anos que precisam trabalhar. Que estrutura vamos dar para que eles se mantenham estudando então? A intenção não tem suporte. Todas as politicas públicas caem em descrédito quando não apresentam suporte. O Pacto Nacional pelo Ensino Médio, proposto pelo MEC, tem a proposta de investir na formação de professores como um dos fatores fundamentais para aumentar a qualidade da educação. É um passo importante entre as prioridades. Todos os estados aderiram formalmente, mas, na prática, os estados não mostraram nenhum sinal de urgência. Ainda há muita heterogeneidade de pensamento.
 E que avaliação o senhor faz do pacto proposto pelo governo federal?Carrano: Acho que os pactos devem envolver todos os sujeitos. Criamos, em 2009, um portal chamado Ensino Médio em Diálogo, porque tenho a clareza de que não faremos transformações por decreto. Precisamos de decisões políticas, dos próprios decretos, da estrutura, do sentido urgência dos gestores. Mas nada será feito sem que os atores da escola, professores e estudantes, participem. Eles são pouco ouvidos. É verdade, não se criou uma mobilização em torno do pacto. O processo foi mais ampliado no pacto da alfabetização. Estamos elaborando o material de formação dos professores (Carrano é um dos pesquisadores convidados a criar esse material de suporte) desde começo do ano. São seis documentos que vão fazer chegar ao chão da escola o que está nas diretrizes curriculares nacionais, que sintetizou importantes debates, mas não dá respostas práticas aos professores. São materiais feitos por pesquisadores, que pretendem se aproximar da escola em um diálogo franco e aberto. O pacto, me parece, foi bem construído, mas houve um erro de timing até pelas próprias dificuldades em pactuar com os Estados. Chegamos ao final de 2013, com Estados que simularam adesão e ganharam com essa incerteza de continuidade do ministro. Quem não quer de fato fazer pode simular a participação e dizer que não tem bases políticas para tomar decisões. Podemos retroceder no que avançamos em 2013. Minha aposta hoje é em um diálogo sobre a necessidade de transformação do ensino médio, que tem de ser feito na escola, com professores e com os estudantes. Eles são importantes e têm o que dizer. São especialistas do cotidiano, sabem onde a qualidade do ensino médio falha, onde a escola não faz sentido e poderia atrair mais a atenção. Precisamos pensar o currículo de forma mais viva. Ele ainda está muito colonizado para o treinamento para o vestibular e o Enem. Ainda que seja importante dar respostas aos testes, o currículo não pode ser subproduto de um teste.
 O senhor acredita que havia necessidade de se montar uma comissão de deputados para discutir uma reformulação do ensino médio se já havia propostas na mesma linha sendo pensadas no Ministério da Educação?Carrano: Em 2013, os atores institucionais centrais, no âmbito da responsabilidade em pensar políticas para o ensino médio, o fizeram em linhas paralelas. O governo federal gestou pacto, transferiu recursos para 40 universidades se prepararem para a formação de professores – o que é uma boa iniciativa para articular a universidade e a educação básica – e não a colocaram em prática a formação por causa da dificuldade política entre governo federal e estados. Em paralelo, a comissão da Câmara criou um caminho próprio, como se o MEC não tivesse fazendo nada. É legitimo, eles têm autonomia para propor. Mas essa desarticulação cria resultado ruim e perverso. Por exemplo, o relatório fala em educação integral. De fato, essa é uma aspiração de todos, mas ele não apresenta respostas para alcançar isso. Não basta ampliar a carga horária. A proposta de reformulação está de costas para o esforço que o MEC fez para construir uma política nacional. Acho desastroso e quem perde com isso é o Brasil. A comissão fez escutas, mas dentro do sentido bem claro de construir uma proposta dual. Mesmo no Ministério, há contradições internas. O ministro não expressa a opinião de pessoas técnicas que estão lá e têm experiência na área. E propostas mais pirotécnicas, de transformação por cima, atraem. Acabar com disciplinas (como o ministro chegou a sugerir em 2013) sem preparar o professor para atuar com essa nova concepção não adianta. O documento da Câmara tem muitas contradições e ainda vai tramitar no Congresso. Por isso, fizemos esse manifesto, assinado por pesquisadores e entidades. Queremos mostrar que as mudanças propostas podem desqualificar as diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio e fragilizar a LDB. Espero que possamos ter um amplo debate sobre as mudanças estruturais e de concepção que o ensino médio precisa.

Metade dos jovens brasileiros não conclui o ensino médio até os 19 anos

Entre negros, pobres e estudantes de áreas rurais, índice cai ainda mais; solução passa por reforma curricular e políticas públicas que atendam ao jovem que estuda e trabalha

Um levantamento do movimento Todos Pela Educação (TPE) aponta que praticamente metade dos jovens brasileiros (45,7%) não consegue concluir o Ensino Médio até os 19 anos, idade considerada adequada para o término da etapa final da Educação Básica.
O percentual – tabulado a partir dos números da Pnad 2013 – está bem aquém do que previa a meta estipulada pela entidade. De acordo com o TPE, o índice era para ter chegado a 63,7% em 2013 com previsão de atingir os 90% em 2022.
"Os números são preocupantes. Quando você considera 19 anos de idade para conclusão, já está admitindo dois anos de defasagem, porque ele pode ter entrado mais tarde na escola ou tido algum tipo de dificuldade", explica Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do Todos pela Educação. "Mais do que isso de atraso, o próprio estudante já começa a internacionalizar um fracasso. Ele pensa que o problema é dele e não do sistema escolar. A consequência natural é a evasão."
Para Falzetta, além dos problemas já conhecidos do Ensino Médio brasileiro – como a falta de um currículo que atenda às expectativas e interesses do jovem – uma das explicações para esse cenário é a baixa qualidade dos anos finais do ensino fundamental. "Esse adolescente começa a não ver sentido nesse modelo de escola que não cria uma conexão com o mundo dele. Como consequência, ele é reprovado, fica desestimulado e acaba por abandonar tudo."
Pobres, negros e rurais
A partir de recortes sociais, a análise dos números da pesquisa reflete bem as disparidades do País. Entre os jovens brancos, 65,2% concluíram o ensino médio até os 19 anos. Na população negra, o porcentual cai para  45%.
Em relação à renda, somente 32,4% dos mais pobres concluíram essa etapa de ensino no limite indicado. O número sobe para 83,3% entre os mais ricos.
Em relação à localidade, os dados mostram, ainda, que nas áreas rurais, o percentual de alunos que concluem o Ensino Médio até os 19 anos é de 35,1%, bem inferior ao das áreas urbanas: 57,6%.
"O recorte mostra como a desigualdade é uma herança histórica do Brasil. E o estudo mostra que esse atendimento diferenciado e que discrimina acontece mesmo nos Estados mais ricos, mesmo dentro de uma mesma escola. É inadimissível que, em pleno século XXI, duas crianças sejam tratadas de forma diferente", conclui Falzetta.
Mais do que currículo
Pensar na estrutura curricular do Ensino Médio é importante, mas não basta. Para diminuir a desigualdade de oportunidade, é preciso pensar em fatores externos aos muros da escola, defende Paulo Carrano, coordenador do Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (UFF).
"Boa parte desse contingente que abandona a escola é formada por estudantes trabalhadores. Eles abandonam e voltam; querem estudar, mas isso é muito pesado para eles. E o que tem sido feito nesse sentido?", questiona Carrano. "É preciso inversão de recursos e políticas efetivas para que o jovem da periferia possa se dedicar aos estudos."
Por políticas efetivas, explica Carrano, não se deve considerar aquelas criadas para premiar apenas os melhores estudantes, como alguns Estados praticam. "A questão não é premiar os melhores. O grande desafio é apoiar quem tem muita dificuldade. A escola precisa aprender a ensinar o jovem ser aluno. Sem isso, temo que a gente apenas busque atalhos." 

Aumenta número de jovens entre 16 e 24 anos que só estudam, aponta pesquisa

Proporção de jovens nessa idade que só estudam pulou de 6,8%, no biênio 1986-1987, para 15,4%, entre 2012 e 2013


Igor do Vale/Futura Press
Aumenta número de jovens que só estudam
Um levantamento feito pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Fundação Seade) mostra que os jovens estão adiando a entrada no mercado de trabalho. A proporção de jovens com idade entre 16 e 24 anos que só estudam pulou de 6,8%, no biênio 1986-1987, para 15,4%, no período de 2012 e 2013. Já a taxa de participação no mercado de trabalho caiu de 79,6%, em 1986, para 74,2%, em 1999, e 72,9%, em 2013.
“Esse adiamento da entrada no mercado de trabalho está associada a uma maior frequência à escola e ao aumento do nível de escolaridade”, diz o estudo comemorativo dos 30 anos da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), na região metropolitana de São Paulo.
Quase metade dos jovens de 16 a 24 anos (48,6%) só trabalhavam no período de 1986 a 1987, taxa que diminuiu para 39,1%, entre 2012 e 2013. A redução também é expressiva na faixa entre 16 e 18 anos (de 31,4% para 14,1%). Nesse grupo, os que conciliavam o estudo com o trabalho passou de 27,6% para 19,6% e a taxa dos que se dedicavam exclusivamente aos estudos dobrou ao atingir 35,9%.
Outro indicador relevante é a queda da parcela de jovens de 16 a 24 anos que não estudam nem trabalham (de 14,9% para 11,5%). O estudo aponta ainda que o percentual de jovens que só estudavam, entre 1986 e 1987, era bem menor entre os que tinham renda familiar baixa (6,1%) comparado aos de renda mais elevada (11,3%). Atualmente, a diferença entre eles caiu - 17% entre os mais pobres e 19,8% entre os mais ricos.
Falta de experiência dificulta entrada no mercado de trabalho
Quanto ao desemprego foram verificadas condições distintas entre as duas classes sociais. Enquanto essa situação afetava 17,3% dos jovens mais pobres entre 1986 e 1987, entre os mais ricos a taxa era de apenas 2,6%. Já no último período analisado, a proporção atingiu 18,6% nas classes de renda mais baixa e de 4% para os de renda mais elevada.
De acordo com a análise técnica da Fundação Seade, entre as dificuldades de inserção dos jovens no mercado de trabalho estão a falta de experiência bem como a distância entre a moradia e os locais onde existem vagas disponíveis, desinteresse pelo tipo de ocupação, remuneração insuficiente, desestímulos por causa da grande concorrência e falta de orientação sobre como buscar um trabalho.
No que se refere aos que não estudam nem trabalham constatou-se que, entre 1986 e 1987, 7,2% dos homens estavam nessa condição e que, no período de 2012 e 2013, a proporção aumentou para 13,9% com predomínio na faixa etária de 19 a 21 anos. O estudo atribui esse fato à convocação para o serviço militar obrigatório e também ao desalento em relação aos estudos e ao trabalho.

Prefeituras fecham salas de educação integral para criar vaga no ensino infantil

Até 2016, municípios devem matricular todas as crianças de 4 e 5 anos na pré-escola; hoje 18% das crianças estão fora da rede


Para atender a meta de matricular todas as crianças de 4 e 5 anos na pré-escola até 2016, redes municipais estão transformando vagas de turno integral em cadeiras de turno parcial. Foz do Iguaçu (PR) é uma delas, desde o início deste ano a prefeitura deixou de oferecer matrícula em período integral para crianças nessa idade.
O objetivo é criar rapidamente vagas para suprir a obrigatoriedade até 2016. Em 2013, 71,8% das crianças nessa faixa etária eram atendidas em unidades escolares no município, segundo dados da Pnad. Com a redução dos turnos, a rede passou de 3.200 para 4.888 matrículas na pré-escola – além das cadeiras que serão disponibilizadas em seis novos Centros Municipais de Educação Infantil.
“Conseguimos assim criar vagas para toda a demanda na espera que tínhamos”, conta Fabiana Vilela, diretora de educação infantil da secretaria municipal. A prefeitura está fazendo campanha para que os pais de crianças nessa idade coloquem já seus filhos na escola. “Estimamos que haja ainda uma demanda de cerca de mil alunos, que vão se dividir entre escolas públicas e privadas.”
A manobra não foi bem recebida por pais que trabalham e antes podiam deixar seus filhos sob os cuidados da escola durante todo o período de trabalho, por seis horas ou mais. Segundo o Conselhor Tutelar do município, cerca de 50 reclamações foram feitas neste ano. “Como isso não é ilegal, não podemos fazer nada”, afirma Raphael Pereira, conselheiro de Foz do Iguaçu.
A mudança de turno também deve ser adotada por Blumenau (SC) para atingir sua meta. Em 2014, todas as crianças de 4 e 5 anos matriculadas em escolas do município estudavam em turno integral. A partir do próximo ano, 15% das crianças de 5 anos passarão para o turno parcial.
A medida também visa a criação de vagas sem grande aumento no investimento público. De acordo com a secretaria municipal, desde agosto há 1.200 crianças em idade pré-escolar na fila de espera. A cidade tinha, em 2013, 21,7% de suas crianças entre 4 e 5 anos fora da escola. 
1 milhão de vagas precisam ser criadas
As prefeituras correm contra o tempo para cumprir o primeiro prazo do Plano Nacional de Educação, aprovado neste ano. A primeira meta estipula que a partir de 2016 todas as crianças de 4 e 5 anos estejam matriculadas na pré-escola.
Para isso, as redes precisam criar mais de 1 milhão de vagas nessa etapa de ensino. Em 2013, 81,4% das crianças nessa idade frequentavam a escola, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
“Essa é uma saída para chegar à meta”, afirma Cleuza Repulho, presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação. “As prefeituras estão usando uma prerrogativa da lei porque nossa obrigatoriedade é de atendimento e não de atendimento integral”, completa.
Para Alejandra Meraz Velasco, coordenadora do movimento Todos pela Educação, o uso de vagas de turno parcial na educação infantil não é problema, desde que a mudança seja articulada com outras políticas de assistência social.
“É importante ser entendido que na educação tratamos com pessoas. Se a criança já está na escola, na educação integral, mudar para essa criança é complicado. O que é importante é ver se essa é a única possibilidade. A rede tem que tentar articular com outras secretarias, como a de esportes ou assistência social. É importante cuidar da transição dessa criança de um sistema para outro.”
Imediatismo contra meta futura
A solução de reduzir os turnos na educação integral levanta duas questões: uma possível redução da qualidade do ensino e a redução no atendimento em ensino integral, outra meta do Plano Nacional de Educação.
No Rio Grande do Sul, Estado em que 36,2% das crianças nessa faixa etária estavam fora da escola em 2013, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) vem acompanhando a ampliação do ensino infantil de perto.
“Alguns municípios estão muito longe de universalizar a pré-escola, principalmente as médias e grandes cidades. E o que temos visto é que essas cidades não estão se utilizando do Proinfância [programa federal de apoio para construção de unidades] suficientemente para criar as vagas necessárias”, aponta Hilário Royer, auditor público do TCE.
A partir deste ano, seu grupo passará a acompanhar quantas são as vagas de turno integral e turno parcial para que os municípios “não dividam uma vaga para duas crianças”.
“Estamos preocupados que reduza a qualidade da educação. Se você olhar sob a ótica das famílias, quatro horas de turno significa que a criança terá um turno descoberto para os pais que trabalham, que vão acabar deixando essa criança com um vizinho, um irmão”, afirma.
Além disso, o grupo teme que de olho no prazo imediato de universalização das vagas em educação infantil em 2016, os municípios deixem de lado a meta 6 do PNE, que exige que 25% das matrículas da educação básica sejam em turno integral até 2020, aponta Débora Brondani, auditora externa do TCE. 
Atraso na construção de unidades escolares atrapalha municípios
Secretária Municipal de Educação de São Bernardo do Campo (na Grande São Paulo), Repulho diz que não usará da estratégia de reduzir vagas no turno integral em sua cidade, mas sofre com o atraso de obras das unidades escolares do Proinfância, programa federal de apoio a construção de centros de educação infantil.
Segundo ela, o município tem oito unidades que começam ou retomam a construção neste mês e, sem atrasos, ficarão prontas em dezembro do próximo ano, às vésperas da obrigatoriedade da educação infantil universalizada.
Os números do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância) mostram que, em média, a construção de unidades pelo Proinfância tem demorado 824 dias.
Além de problemas com atraso na obra, 28% das secretarias municipais que partipam do programa relataram ao Tribunal de Contas da União (TCU) que inadequações do projeto dos centros de educação infantil ao local em que são instalados dificultam o início das atividades. 
Procurado pela reportagem, o Ministério da Educação não se pronunciou sobre a substituição de vagas integrais por vagas parciais na educação infantil.

1 em cada 5 alunos do ensino fundamental não sabem o básico de matemática

Resultados insatisfatórios na Prova Brasil mostra necessidade de metas claras de aprendizagem, dizem especialistas


Os dados da Prova Brasil de 2013 mostram que 24,45% dos estudantes do 9º ano do ensino fundamental estão abaixo do nível mais baixo de proficiência. Em matemática, esse percentual é 20,41%. No 5º ano, 24,16% estão na faixa que vai até o primeiro nível em português e 5,81% estão abaixo do primeiro nível em matemática. Em português, significa dizer que esses alunos não são capazes de identificar o assunto ou o personagem principal em um texto.
Para especialistas, os resultados insatisfatórios mostram a necessidade de estratégias e metas claras para o ensino. De acordo com os dados da última avaliação disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), há, entre alunos de diferentes Estados brasileiros e até mesmo de uma mesma escola disparidades no aprendizado.
"É preciso uma base nacional comum, ter claro o que é essencial que o aluno aprenda, para que o sistema trabalhe de forma com que essas habilidades sejam obtidas", diz o coordenador de Projetos da Fundação Lemann, Ernesto Faria. "Uma estrutura padrão que oriente o sistema, não o engesse, mas oriente o trabalho dos professores", explica.
"É preciso pensar formas de ensino para engajar, pensar em um projeto que permita trabalhar com alunos de níveis de proficiência diferentes e que possa dar suporte ao professor", diz Faria.
Menos de um quarto dos alunos têm aprendizado adequado
Utilizando o critério do movimento Todos pela Educação, 23,6% deixam o ensino fundamental com desempenho acima do considerado adequado em português e 11,2%, em matemática. Entre os alunos do 5º ano, esses índices são, respectivamente, 39,9% e 34,7%.
"Mesmo que haja alunos fora do nível adequado, o que a gente gostaria de ver é os alunos avançando em direção a esse nível. Mas, o que os números mostram é que ainda há crianças muito distantes do nível adequado, uma concentração grande no Nível 1", diz a coordenadora-geral do movimento Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco.
Ela concorda com Faria quanto à necessidade de uma base nacional comum que estabeleça metas claras. "A avaliação norteia quem entende o que está sendo avaliado, quem consegue decodificar o que vai ser avaliado, adapta o currículo, mas as redes mais frágeis não conseguem enxergar as metas nem o caminho. O que acontece em outros países é que se tem definido o currículo e o que se deve aprender ano a ano, avalia-se então o que se deve aprender. No Brasil, adivinha-se o que vai ser avaliado com base nas provas anteriores", diz.
Os primeiros passos para a construção de uma base nacional comum curricular foram dados este ano. Trata-se também de uma promessa da presidenta Dilma Rousseff para o segundo mandato.
Divulgação
Quanto à divulgação dos dados, segundo Alejandra, o Todos pela Educação faz parte de discussões feitas pelo Inep sobre formas de qualificar os dados. Uma das questões discutidas é disponibilizar, por nível de proficiência, os tipos de questão que provavelmente os alunos dominam para que os professores tenham mais clareza para trabalhar as principais dificuldades em sala de aula. Outra questão em discussão é a disponibilização de iniciativas pedagógicas aos docentes.
O boletim divulgado pelo Inep mostra o percentual de estudantes na escola, no estado e no país em cada um de até dez níveis de proficiência. A quantidade de níveis varia de acordo com a série e com a disciplina avaliada. Neste ano, já houve mudanças na divulgação. As escolas podem consultar também a interpretação pedagógica dos níveis de desempenho. Diante de cada nível de proficiência, há uma descrição das habilidades que os alunos provavelmente já dominam. Além disso, podem comparar o desempenho com escolas próximas e com nível socioeconômico semelhante.
A Prova Brasil é um dos componentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), considerado um importante indicador de qualidade do ensino. O índice vai até dez e é calculado de dois em dois anos. O Ideb de 2013 foi divulgado pelo governo no início de setembro. A meta estimada de 4,9 para anos iniciais foi a única cumprida pelo país, que obteve índice de 5,2.

Escolas apostam em acompanhamento e reforço para reduzir evasão no ensino médio

Em 2013, 659 mil estudantes abandonaram as cadeiras do ensino médio; escola precisa criar mecanismos para encantar aluno, afirma especialista

Divulgação
Em Foz do Iguaçu, alunos do ensino médio participam de laboratório de 
física no projeto Encantar para Ficar
O abandono escolar de jovens no ensino médio e a dificuldade em melhorar os índices de conclusão têm ocupado parte importante do debate sobre a educação básica nos últimos anos. Dos 8,2 milhões de jovens matriculados no ensino médio em 2013, 659 mil abandonaram o estudo (8,1%) e 977 mil foram reprovados naquele ano (11,9%), segundo o Censo Escolar compilado na plataforma Qedu.
"O atraso no ensino médio impacta no mercado de trabalho porque reduz a qualidade do trabalhador e repercute no ensino superior, onde sentimos as dificuldades de formação do aluno ", analisa João Cardoso Palma Filho, especialista em política educacional da Unesp.
O quadro é mais preocupante no primeiro ano do ensino médio, quando o índice de abandono chega a 10,1% (339 mil estudante) e o de reprovação atinge 16,7%.
"A escola precisa conhecer melhor seu estudante, sua trajetória escolar e sua história de vida. Isso para que o professor possa perceber não apenas as lacunas de aprendizado, mas também lacunas relacionadas a aspectos emocionais, como auto-estima e autonomia", avalia Rosângela Fritsch, professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e pesquisadora da evasão de alunos na fase final da educação básica.
A fim de entender quais são as dificuldades enfrentadas nessa etapa do ensino e combatê-las surgem projetos que reúnem universidade e escolas em diferentes áreas do País.
Acompanhando três escolas públicas de São Leopoldo (RS), Rosângela explica que características dos alunos, como o alto índice de matrículas no período noturno, presença de alunos em atraso escolar e que trabalham, explicam parte importante do abandono escolar.
"É marcante esse círculo vicioso entre a reprovação, que leva à defasagem idade-série e ao abandono escolar", afirma a pesquisadora. Nas escolas estudadas, o aluno que está na idade certa para sua escolaridade tem 148% mais chances de se formar no ensino médio que aquele que já está atrasado.
“Percebemos que por conta da dinâmica da escola, os professores sabiam muito pouco de seus alunos. Nós, então, apresentamos as informações coletadas sobre os estudantes para eles e começamos a discutir propostas para que as escolas tivessem melhores resultados”, conta.
Em parceria com os professores dessas escolas, uma das atividades feitas foi acompanhar os alunos que ao longo dos bimestres mostravam ter desempenho abaixo do adequado. “Fizemos uma proposta pedagógica de trabalho específica para eles e conseguimos que não houvesse reprovação nesse ano.”
Segundo Rosângela, mudanças simples na escola ajudam a criar um ambiente de troca que beneficie o aprendizado e a continuidade dos estudos. Algumas unidades de São Leopoldo mudaram adiantaram o jantar para o horário de início das aulas para aproximar os estudantes trabalhadores.
“Muitos desses alunos saem do trabalho direto para a escola, cansados e muitas vezes com fome. A escola criou a alternativa de antecipar a janta e trouxe os professores para a refeição. Assim, os alunos que chegam cedo podem tirar dúvidas e conversar com os professores. É uma ação bem simples, mas que pode aumentar a interação entre alunos e professores.”
Aluno precisa ser encantado pela escola
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Apesar de serem opcionais, cerca de 70% dos estudantes participam das atividades para o ensino médio no contraturno
No ano passado, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) apresentou os resultados de uma pesquisa que perguntava a jovens de baixa renda o que eles pensavam sobre a escola. Entre os achados, a pesquisa mostrou que os alunos não veem utilidade em muitas das disciplinas oferecidas. Apenas 30,5% consideravam biologia uma matéria útil, 28,8% percebiam valor no ensino de química e 27,6% no ensino de física.
Sentido na prática em escolas de Foz do Iguaçu (PR), esse cenário deu origem ao projeto Encantar para Ficar, criado por pesquisadores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Localizado em uma cidade fronteiriça com o Paraguai, a coordenadora, Catarina Fernandes, conta que as escolas notavam a grande perda de alunos ao longo do ano.
"Uma sala que começava com 30 alunos chegava a julho com 15. Percebíamos que muitos deixavam a escola e eram atraídos para trabalhar com contrabando e outras atividades ilegais. Em entrevistas, eles diziam que parte do motivo do abandono era por não entenderem o conteúdo passado na escola", conta.
"A escola precisa criar mecanismos para encantar este aluno do ensino médio para que ele fique dentro da escola. Ele precisa se sentir dentro da escola, criar um sentimento de pertencimento àquela unidade escolar."
No projeto, alunos de licenciatura em ciências naturais da universidade e pesquisadores acompanham as aulas do ensino médio das escolas e, a partir das dificuldades dos alunos e do conteúdo apresentado pelos professores, fazem uma programação opcional de atividades em laboratório para os estudantes no contraturno. "É um projeto a título de reforço escolar, mas que também cria interesse e aumenta a autoestima dos estudantes", avalia.
Desde fevereiro, os estudantes que quiserem podem participar das aulas em laboratório, visitas à universidade, ao observatório e outras propostas dos monitores do projeto. Ao longo do ano, Catarina conta que 70% dos estudantes de 1o ano se envolveram no projeto e, entre eles, não houve abandono escolar.
"Para o próximo ano devemos acompanhar os estudantes que já participaram do projeto e muitos deles serão monitores dos novos alunos do ensino médio, que entrarão no ano que vem. Após terem participado de uma feira de ciências, eles se sentem prontos para ajudar os futuros colegas e têm orgulho de participar das atividades e isso não podemos tirar deles", afirma.

Professor precisa falar menos e provocar mais, diz educador

Em entrevista, Fábio Mendes, autor de “A Nova Sala de Aula”, defende ensinar alunos a aprender por conta própria

Em “A Nova Sala de Aula”, Fábio Mendes, professor, doutor em Filosofia e autor de cinco livros sobre aprendizado e educação, defende que para viver em um mundo sob constante mudança é preciso formar jovens que tenham papel ativo na construção de seu conhecimento, renovando os saberes continuamente.
“O mais importante é formar habilidades. Não importa a lista de conteúdos aprendidos, se a pessoa não souber aprender, ela vai acabar ficando desatualizada”, diz.
Como alternativa à tradicional aula expositiva, Fábio propõe a adoção de oficinas de estudo. Com o método, os conteúdos se tornam meio para o desenvolvimento da autonomia no aprendizado e, a sala de aula, o ambiente. Durante o processo, o professor deve apresentar o material que servirá de base para o estudo (textos ou o próprio livro didático), explicar o método passo a passo, e acompanhar a prática, orientando os alunos. Ao final, os estudantes produzem as sínteses e fazem exercícios atestando se avançaram no aprendizado.
“O ponto principal é fazer com que eles (estudantes) notem que conseguem aprender por conta própria. Não é o professor que ensina, mas eles que aprendem. Quantas aulas os alunos têm sobre como estudar? Isso não faz parte do currículo escolar. E quantas vezes ao longo da vida escolar demanda-se que eles estudem? Você se motivaria a fazer uma atividade que não te dizem como fazer e te cobram o tempo todo?”, questiona o autor.
- No livro “A Nova Sala de Aula”, você defende que é preciso dar autonomia aos estudantes no processo de aprendizado. Como o método das oficinas atua para atrair os interesses dos alunos? 
Fábio Mendes - Os alunos estão desinteressados porque eles não conseguem notar no dia a dia da escola que eles produzem algo e que eles são escutados. Quando eu proponho as oficinas, a primeira questão que surge é exatamente essa. Se os alunos estão desmotivados, como vão se envolver em uma atividade na qual eles vão ter que ler, vão ter que se concentrar, vão ter que ter foco? O que faz funcionar as oficinas é, na verdade, o modo de conduzir a atividade. É essencial a movimentação do professor. Sem isso, os alunos acabam fazendo outras atividades.
Se o professor mantém a circulação e conduz a oficina, com etapas muito simples, de fácil execução, esse aluno desmotivado sente que consegue fazer pequenos progressos. Eu costumo pedir para que os alunos façam uma autoavaliação anônima deles e da oficina, sobre essa atividade de tentar aprender a estudar em sala de aula. A aprovação dos alunos é massiva. Muitos comentam “por incrível que pareça, eu consegui estudar”, “o tempo passou rápido”.
- Há uma idade ideal ou série para iniciar as oficinas de estudo? Elas se aplicam melhor ao ensino médio do que ao fundamental?
Fábio Mendes – A oficina é uma forma de resgatar alunos que perderam a confiança de que podem gostar de estudar. É um modo despertar o interesse pelo conteúdo em alunos que estão completamente desconectados. Isso é típico de estudantes do ensino médio. Mas as oficinas podem ser aplicadas desde o 5º, 6º anos do ensino fundamental.
O ponto principal é fazer com que eles notem que conseguem aprender por conta própria. Não é o professor que ensina, mas eles que aprendem. Quantas aulas os alunos têm sobre como estudar? Isso não faz parte do currículo escolar. E quantas vezes ao longo da vida escolar demanda-se que eles estudem? Você se motivaria a fazer uma atividade que não te dizem como fazer e te cobram o tempo todo? Esse é o centro das oficinas. Elas não precisam ser implantadas da noite pro dia, em todos os períodos, por todos os professores, com todos os conteúdos. Muito pelo contrário, pode ser uma aula especial que o professor propõe uma ou duas vezes por trimestre, mas que dá ferramentas para o aluno poder estudar por conta própria.
– Você faz formação de professores em como aplicar a didática das oficinas? Como é a receptividade à didática?
Fábio Mendes - Sim. O mais importante das oficinas é a mudança de perspectiva do professor. O professor se dá conta que não adianta um aluno tirar 10 em toda vida escolar, se ele sair da educação básica sem conseguir construir o seu conhecimento com autonomia. Alguns professores, no primeiro momento, resistem: “esse guri está querendo me ensinar a dar aula?”. Mas logo depois eles veem que não estou querendo ensinar nada para ninguém, estou apresentando uma perspectiva para trabalhar dificuldades que eles enfrentam. No final, a aprovação dos professores é maior até que a dos alunos. Entre os estudantes, a avaliação positiva do trabalho não baixa de 80%. Entre os professores, está acima de 90%. Os comentários principais são “finalmente apresentaram uma proposta que pode ser aplicada no dia a dia da escola”, e “essa formação não ficou só no discurso e mostrou como trabalhar em sala de aula”.

Com raciocínio e sem cópia: veja como deve ser lição de casa na era da internet

Em vez de memorização e cópia , um jogo de raciocínio para ser completado pelos estudantes com a ajuda dos pais

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Lição de casa


Em vez de memorização e cópia de palavras, um jogo de raciocínio para ser completado pelos estudantes com a ajuda dos pais. Em vez de pesquisar e copiar informações sobre um tema de história, o aluno grava um vídeo com a interpretação dele dos conceitos estudados e publica-o no YouTube.
As ideias acima são parte de uma nova forma de encarar as lições de casa, e algumas começam a ser aplicadas no Brasil.
Num momento em que a tecnologia muda o acesso à informação e novas habilidades são exigidas dos estudantes, educadores e especialistas têm repensado os formatos e objetivos das tarefas extraclasse.
"Quando a informação era muito restrita à sala de aula, a lição de casa era voltada apenas a exercícios de fixação e de prática do conteúdo", diz Claudio Franco, diretor de novos negócios da Mindlab, empresa de tecnologias educacionais provedora de escolas públicas e privadas.
Hoje, ante a informação inesgotável da internet, "o dever de casa deve estar mais ligado ao aluno pesquisando e construindo conhecimento, para que a sala de aula seja um espaço de debate e síntese de conceitos".
A empresa aplica, como tarefas de casa, jogos de raciocínio (online ou de tabuleiro) que reforcem conceitos estudados em classe. Também estimula a produção de vídeos por parte dos alunos, em que eles sintetizem o que aprenderam na aula.
Experiências
Em Natal (RN), por exemplo, escolas públicas têm adotado jogos – em sala de aula e em casa – como parte do aprendizado.
A Clickideia, provedora de conteúdo e metodologia pedagógica, também tem desenvolvido exercícios de casa que envolvam jogos virtuais e atividades lúdicas. A ideia é que as atividades tenham, ainda, a função de avaliar o aprendizado – forçando o aluno a refazer etapas que tenha errado e avisando ao professor o que foi acertado.
A escritora e jornalista Ana Kessler, mãe de Ana Beatriz, 9, aluna da rede privada em São Paulo, diz que, na prática, muitas das lições de sua filha ainda são parecidas com as de antigamente. "E o básico tem de ter mesmo, tabuada ainda é aprendida na memorização. Como as crianças de hoje são muito dispersas e fazem tudo ao mesmo tempo, tarefas que ajudem a fixar são importantes."
Ao mesmo tempo, Ana vê Bia mais entusiasmada com tarefas extraclasse diferentes, que também são passadas pela escola: "A classe dela já faz apresentações em PowerPoint, algo que eu só fui fazer quando mais velha. Ou monta uma maquete de pulmão usando garrafas PET. São projetos mais interativos, interessantes e ligados ao dia a dia dela."
Lição ou não?
Em diversos países, o dever de casa tem sido tema de debate nos últimos anos. Tarefas devem ser aplicadas todos os dias, sempre? Qual o volume adequado de lição?
Na China, a pressão excessiva sobre os estudantes levou o Ministério de Educação a ordenar a redução, no ano passado, da quantidade de atividades extraclasse impostas.
"Projetos como cortar e colar ou desenhar muitas vezes são ineficientes (para a assimilação de conteúdo), mesmo que os professores os tenham indicado com a melhor das intenções", opina.
"Há formas mais eficazes de demonstrar o aprendizado: em vez de construir um modelo do Sistema Solar, estudantes podem representar os extremos de temperatura dos planetas, os períodos de rotação da Terra, a importância da inércia e gravidade ou criar um vídeo para mostrar seus conhecimentos de cada passo."
Ana Kessler, mãe da Ana Beatriz, não se incomoda tanto com o fato de sua filha ter bastante lição para fazer - apesar de muitas atribuições, como comprar e imprimir materiais diversos - recaírem sobre os pais. "Para muitas crianças de cidades grandes, não estar fazendo lição de casa muitas vezes significa estar diante da TV. E aprender a fazer muitas tarefas faz parte da vida."
Já Alfie Kohn, outro pesquisador do assunto nos EUA – e duro crítico da lição de casa em geral –, sugere, em artigo, uma participação mais ativa dos alunos na hora de decidir que tarefas devem ou não ser aplicadas.
"Use a lição como uma oportunidade de envolver os estudantes", diz ele em artigo. "Uma discussão a respeito pode ser válida por si só. Se as opiniões forem distintas, a decisão sobre o que fazer – votar? Conversar até se chegar num consenso? Buscar um meio-termo? – desenvolverá habilidades sociais e crescimento intelectual."
Participação dos pais
No Brasil, onde deficiências de educação em geral ainda são graves, pesquisadores, como o Instituto Ayrton Senna, veem a lição como um aliado importante para a fixação do conteúdo aprendido em aula e como um elo entre a escola e a família dos alunos.
"A lição serve para continuar o desenvolvimento do jovem, trabalhar conceitos e criar um vínculo com as famílias", diz Sandra Garcia, diretora pedagógica da Mindlab.
Ao jogar com o filho um jogo pedagógico, "os pais verão como os filhos pensam, resolvem desafios, lidam com a perda", opina Garcia – para quem esse momento qualifica o tempo passado entre pais e filhos.
Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do movimento Todos Pela Educação, elogia exercícios que envolvam os pais, mas ressalta que a participação destes na lição de casa dos filhos deve ser cuidadosa e limitada.
"A função principal da lição é diagnosticar a autonomia dos alunos em relação ao conteúdo", diz. "A família tem que estar perto, perguntar se o filho fez a lição ou teve dúvidas, oferecer um ambiente com iluminação e silêncio, ajudar desde que não de forma recorrente, mas não dar a solução da tarefa."