sexta-feira, 24 de março de 2017

Primeiros passos na escolha da profissão


Como se não bastasse toda a tensão envolvida na formatura e nos estudos para o ENEM e os vestibulares, os adolescentes e jovens passam por uma fase difícil quando concluem o ensino médio: a escolha de um curso de graduação e uma profissão que poderá definir o resto de suas vidas.
Como fazer essa escolha quando não se sabe nem por onde começar?
A escolha da profissão sempre deve começar com autoconhecimento. Conhecer os valores que são importantes para você, suas habilidades, seus dons, suas paixões, tudo isso faz parte do primeiro passo na escolha da profissão.
Um exercício interessante que você pode fazer é o seguinte:
1.Faça uma lista de 9 valores que são importantes para você (por exemplo: “ter liberdade”, “ficar perto da família” ou “ser independente”).
2. Dentre esses 9 valores, escolha os 3 principais, aqueles que você não está disposto a abrir mão de jeito nenhum.
3. Deixe a sua lista de valores de lado por um momento, e faça uma outra lista com as profissões ou funções que gostaria de exercer (pode ser qualquer coisa que você se imagina fazendo e que poderia te fazer feliz)
4. O próximo passo é riscar da sua lista de profissões aquelas que não permitem que você mantenha os seus 3 valores principais (por exemplo: se “ficar perto da família” é um dos seus valores principais, um trabalho que exija mudança ou viagens frequentes, pode ser descartado).
5. Por último, tente reduzir a sua lista de profissões a 3 ou 4, assim ficará mais fácil seguir com os próximos passos.
Depois de fazer esse exercício, pesquise sobre as profissões que selecionou. Consulte nos sites de algumas Faculdades ou Universidades qual é a Matriz Curricular dos cursos, ou seja, quais são as disciplinas que você irá estudar. Procure saber o que faz um profissional formado nessa área, como é o seu dia-a-dia de trabalho? Essa informação você pode conseguir nas próprias Faculdades, em Conselhos Regionais da Profissão, visitando o local de trabalho de algum profissional da área, ou ainda participando de Mostras ou Feiras de Profissões da sua cidade que falem sobre o tema.
É importante também que você faça uma lista das Faculdades e Universidades que oferecem esses cursos, qual o turno em que os cursos são oferecidos, e qual o conceito dos cursos em cada uma das instituições. Para isso você poderá fazer uma pesquisa no site do Mistério da Educação .(http://emec.mec.gov.br/)

Após esses exercícios e pesquisas, com certeza você estará mais preparado para fazer uma escolha mais consciente e com menor probabilidade de erro. Se, mesmo assim, você começar uma graduação e perceber que não era o que esperava, não tenha medo de recomeçar a busca. E se sentir que não consegue chegar a uma decisão sozinho, existem hoje no mercado os Coaches Vocacionais, que podem ajudar muito nessa importante fase.
 *Artigo escrito por Sheyla Mara Coraiola e Angela Mara Coraiola da Vanguarda – Curso Preparatório para ENEM, insituição associada ao Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe/PR). O SINEPE é colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.  

Igualdade de gênero: Repensando a educação dos meninos


Ilustração do Guia "Adolescentes, jovens e educação em sexualidade"Ilustração do Guia “Adolescentes, jovens e educação em sexualidade”
No mês do Dia Internacional da Mulher, é inevitável (e desejável, inclusive) que sejam retomadas reflexões e diálogos sobre as desigualdades de gênero. Dentre os desafios que pipocaram em conversas e leituras nessa primeira quinzena está o de educar meninos para que eles não reproduzam violências simbólicas, verbais, psicológicas, sexuais e físicas contra meninas e mulheres.
A importância de discutir gênero com esse público é inegável: se meninos e homens são parte do problema, também têm um papel importante na solução. Uma primeira barreira que precisa ser quebrada é a interpretação de que a violência de gênero se restringe só à violência física ou ao desrespeito/confrontação direta de uma pessoa para com a outra (“Eu, reproduzindo violência contra a mulher? Imagina, eu jamais encostaria um dedo na minha namorada!”). Da mesma forma como as pessoas de pele branca, por exemplo, têm dificuldade em perceber o caráter institucional do racismo, achando-o reduzido ao preconceito racial.
As violências de gênero estão no que ensinamos aos meninos sobre como se relacionarem com as meninas e quais expectativas terem dessas relações (É normal querer que a namorada só saia para se divertir comigo, porque “tenho ciúmes”? É aceitável que eu interfira nas roupas que ela usa? E ter acesso à conta dela no Facebook, mensagens de Whatsapp…?). Está no que ensinamos sobre sexualidade (Que sinais devem ser entendidos como os de alguém que está interessada em mim? Antes de beijar uma garota, devo perguntar se posso? Falar que essa é a minha intenção?). E no uso que fazemos da tecnologia (Se um amigo me manda uma foto da ex-namorada sem roupa, o que eu faço? E se essa garota começar a ser assediada na escola porque a mesma foto foi enviada para outras pessoas também?).
Existem materiais disponíveis na web que sugerem formas de começar a trabalhar essas e outras questões, como o Plano de aula da iniciativa “O Valente não é Violento”, coordenada pela ONU Mulheres; o guia “Adolescentes, Jovens e Educação em Sexualidade” do Instituto Promundo; e a cartilha LIVERESPECT (“Viva o respeito”, ou “Viva, respeite”, em tradução livre), da organização norte-americana A Call to Men (“Um chamado para os homens”). Esta última está disponível somente em inglês, mas o cofundador da ACTM Tony Porter aparece em um vídeo do evento TED Women em 2010 que possui legendas em português no site do TED Talks.
Além de incitar a reflexão sobre comportamentos dos estudantes, é vital olhar também para o papel e as atitudes dos educadores no ambiente formal de ensino: Como a escola responde a situações de violência de gênero que acontecem dentro e fora de seus muros? Existe consenso entre o corpo docente sobre como agir nos casos de assédio dentro da escola? E quando o problema está dentro de casa e afeta o desempenho escolar do ou da estudante?
Fácil seria interpretar que a escola não tem nada a ver com o tema: sua missão é alfabetizar, ensinar matemática, física, geografia… e não interferir nas relações entre os educandos, isso é educação que vem de casa! Em Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire fala sobre a impossibilidade de a educação ser neutra diante daquilo que acontece no mundo e sobre o seu caráter técnico, do ponto de vista do ensino de conteúdos, mas também ético, que implica em fazer escolhas e intervir diariamente sobre a realidade. “Para que a educação fosse neutra era preciso que não houvesse discordância nenhuma entre as pessoas com relação aos modos de vida individual e social, com relação ao estilo político a ser posto em prática, aos valores a ser encarnados”, explica o educador.
Por essa mesma razão é que se faz necessário o processo de desconstrução daquilo que foi aprendido, mas nunca dialogado. Porque sem a consciência de como nossas atitudes nos afetam e afetam aos outros (e principalmente estes), tomaremos sempre decisões de maneira inconsciente, “automática”, já que nunca fomos incitados a cavar mais fundo para descobrir o que está debaixo da superfície.
* Artigo escrito por Paula Nishizima, jornalista e educomunicadora do coletivo Parafuso Educomunicação. O Parafuso Educom é colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no Blog Educação e Mídia.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Pelo bem de nossas articulações (ósseas e sociais)!


Muitas crianças estão viciadas em celulares e tablets. A farta e encantadora oferta de jogos e vídeos online cai como uma luva na rotina de algumas famílias. É que, além de gerar entretenimento, esses atrativos mantém os filhos quietos por longos períodos, sem bagunçar a casa, ou protegidos dos perigos de se machucar brincando. Junta-se aí a fome com a vontade de comer. A internet, os vídeos e os games são uma espécie de “sossega leão”. Assim, os produtos da indústria do entretenimento virtual infantil não servem apenas às crianças. Servem também aos pais que, de acordo com suas conveniências, deixam as novidades tecnológicas ocuparem um espaço fundamental na formação de seus filhos.
Arquivo
O preço dessa solução é em geral desmedido. Os prejuízos são herdados pelas crianças. Problemas posturais como cifose, escoliose e outras perturbações de ordem física são uma das faces negativas dessa relação. Pouca gente está atenta a isso, afinal é muito difícil identificar o avanço dessas doenças a curto prazo. Pesquisas no campo da ortopedia nos alertam que estamos diante de uma pandemia mundial de doenças cervicais na infância causadas pelo excesso de uso de smartphones. Essa dura realidade faz parte do pacote oculto oferecido por esse novo modelo de entretenimento, que é capaz de concentrar em uma única tela uma gama infinita de possibilidades de diversão. Um mundo encantador, de desafios, lutas, disputas e conquistas, está ao alcance dos dedos das crianças. Não é preciso mais levantar do sofá, dar voltas na casa, subir no muro, construir castelos e quartéis generais para conquistar ou salvar o mundo.

Mas há algo ainda mais complicado aí. Ficar no computador, tablet ou celular por horas a fio pode significar uma redução drástica das possibilidades de interação social. Ainda que existam propostas de jogos em rede, ou plataformas que permitem interação virtual, como os sites em que as crianças criam seus perfis, formam clãs e se comunicam frequentemente, ainda assim o convívio social e a experiência cultural estarão sempre restritos às condições e limites de cada dispositivo ou aplicativo. Não haveria mal nenhum nisso não fosse a quantidade de horas que essas atividades ocupam. Os jogos eletrônicos e vídeos são produtos culturais fabulosos e é inegável que há neles contribuições importantes para o desenvolvimento das crianças. Mas há que se ter equilíbrio. Há que se mover. É preciso cair e se levantar. É fundamental machucar-se e aprender a lidar com a dor.
A pergunta que podemos fazer em nossa relação com filhos, ou com alunos, é a seguinte: que oportunidades a criança está tendo de criar sua própria atividade, de frustrar-se com seus erros e tentar novamente, de empreender fantasias brincando, de explorar materiais diversos e de estabelecer novos vínculos sociais e amizades?
O brincar à moda antiga é um contraponto interessante que pode ajudar a equilibrar essa equação. Brincadeiras tradicionais carregam referências culturais importantes e também são fonte de conhecimento para as crianças. Refiro-me às variações de pega-pega, esconde-esconde, jogo com bola, corda e elástico, quebra-cabeça, jogo de mãos, bater cartinhas, subir em árvore, brincar de casinha e carrinho, envolver-se na representação de papéis etc. Esse brincar à moda antiga pode ser orientado por adultos em alguns momentos, mas é fundamental que a criança encontre tempo e espaço para descobrir o que fazer durante a brincadeira. É preciso sentir tédio para que algo novo venha à mente e a criatividade aflore. Fornecer entretenimento o tempo todo à criança é decretar morte à criatividade. Além disso, ao empreender por conta própria a sua atividade, a criança acessa referenciais importantes da vida em sociedade.
Por exemplo, ao brincar de ser mãe ou pai com seus colegas, cuidando de bonecos e bonecas, arrumando a casa, a criança apreende e exercita regras dos comportamentos maternal e paternal. É que essas regras sociais, com as quais ela própria interage em seu cotidiano, migram para a brincadeira e são de algum modo redistribuídas pela criança de acordo com suas necessidades. Questões da ordem do dia, da memória afetiva, aparecem na “cena” que a criança inventa, são selecionadas e misturadas de acordo com os seus interesses, compondo uma nova realidade. Na hora de montar a brincadeira, a criança precisa pensar nas escolhas que fará. Pensando em ser pai ou mãe, ela se depara com os significados e atribuições destes papéis e opera interpretações sobre eles. A “cena” criada pela criança é fruto de sua imaginação. Mas o que ela vive na brincadeira é real, pois seus sentimentos e suas ideias estão sujeitos à coerção e ao constrangimento alheio que surge da experiência com os outros.
Pais e educadores podem estimular a prática de brincadeiras tradicionais, brincando junto com as crianças e definindo limites de tempo para a criança estar diante de uma tela. Há que se ter alguns dias sem tela. Em minha casa instituímos, como costume, uma semana sem tela por mês. Funciona muito bem. É uma semana inteira na qual, nem as crianças, nem o casal, liga telas. Isso tem gerado descobertas incríveis. Quando a semana sem tela sem aproxima, já vem aquela expectativa de que faremos coisas diferentes. A gente volta a conversar com mais intensidade. Cantamos. Saímos para pequenos passeios pelo bairro no início da noite. Jantamos ouvindo música. Jogamos xadrez e lemos. Uma semana sem tela por mês em casa é suficiente para nos lembrar o quão maravilhoso é estar sem a internet ao nosso dispor o tempo todo.
Tenho acompanhado, nos cursos que realizo pela Parabolé Educação e Cultura, que há um desejo crescente, entre pais e educadores, de conter o avanço desta dependência lúdica que está se formando diante das telas. Muitas escolas e Secretarias Municipais de Educação nos procuram solicitando assessoramento nessa área, pois identificam que o vício nas telas está comprometendo os processos de aprendizagem convencionais e afetando as dinâmicas de convívio de crianças entre si.  Há pais que nos escrevem para falar sobre isso. Eles reconhecem a dificuldade de estabelecer limites para o uso dos tablets e celulares. Alguns de nossos livros e DVD’s são por eles utilizados como fonte de pesquisas de brincadeiras tradicionais, porque o brincar à moda antiga está atrelado à sua memória afetiva e ganha um significado especial se revivido pela nova geração.
Não se trata, portanto, de demonizar as novidades tecnológicas. Pelo contrário, o que está em jogo é compreendê-las em todas as suas dimensões para que, dentro de limites razoáveis, possam ser cada vez melhor aproveitadas. Acredito que as novas formas de entretenimento podem conviver com as velhas. O fato de termos brincado de esconde-esconde ou de pega-pega durante milênios sem cessar, faz crer que algo de substancial há nestas antigas práticas. Pular, cair, levantar, balançar, montar, quebrar, correr, fugir e pegar foram, ainda são e sempre serão práticas com as quais teremos que conviver para o bem de nossas articulações ósseas e sociais!
 *Artigo escrito por Nélio Spréa. Doutorando e Mestre em Educação pela UFPR – Universidade Federal do Paraná. Graduado em música pela FAP – Faculdade de Artes do Paraná. Palestrante, escritor e diretor da Parabolé Educação e Cultura.

A necessidade contemporânea de múltiplos adultos para educar.

Nossa sociedade mudou e a forma das famílias educarem as crianças também. Se por milhares de anos esses cuidados eram delegados quase integralmente às mães, hoje a tarefa comumente está dividida com mais pessoas, sejam familiares ou profissionais, como educadores e babás. A qualidade dos cuidados desse time será decisiva para o desenvolvimento dos potenciais do indivíduo, assim como suas falhas poderão deixar marcas nessa pessoa em desenvolvimento.
Há poucas décadas as mulheres ampliaram seus horizontes e passaram, seja por desejo ou por necessidade, a buscar espaços além de cuidar do lar e da família, como predominantemente fizeram por milênios. Junto com os novos desafios do mundo do trabalho, muitas continuaram como a principal responsável pelo cuidado da casa e das crianças, gerando um acumulo de papéis.
Para a maioria dos homens ainda levará um tempo para atingir seu pleno potencial nesse desafio de dividir os cuidados, que por gerações não lhe foram atribuídos. Há uma significativa alienação dos pais que, mesmo estando por perto, muitas vezes não assumem suas responsabilidades. Não é raro que pais tenham pouco ou nenhum contato com os seus próprios filhos.
Diante desse contexto, novos arranjos são necessários para cuidar das necessidades das crianças, que independente de toda reestruturação da sociedade, continuam precisando de adultos para sua sobrevivência e desenvolvimento saudável. Avós, tios, irmãos mais velhos e outros parentes são chamados para apoiar nessa missão, que também precisa de profissionais, sejam os centros de educação infantil, escolas, atividades complementares ou, nas classes mais favorecidas, as babás.
Como será o desenvolvimento da criança com esses arranjos dependerá da qualidade com que esse grupo atuará. Como em toda crise, oportunidades e ameaças surgem.
Se a orquestra que tocar a música do cuidado dessas crianças não estiver comprometida, atrasarem suas participações, confundirem a criança tocando canções antagônicas e ruidosas, ou preferirem mudar de plateia e delegarem sua missão para as cantigas da Galinha Pintadinha, acontecerão riscos nesse desenvolvimento humano.
Se os músicos estiverem afinados, com objetivos claros e alinhados, com amor e competência, com talentos para tocar diferentes instrumentos, com um ou mais maestros que assumam a liderança quando preciso, pode se criar uma canção com a riqueza de variados sons, elevando o potencial de desenvolvimento desse indivíduo.
*Artigo escrito por Luciano Diniz, Coordenador da Pós-graduação em Educação Integral Transformadora da Associação Gente de Bem, instituição que desenvolve programas de educação integral transformadora para adolescentes, professores e famílias. O profissional é colaborador voluntário do Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.  

A escola e suas premiações

Há muito mais na vida a se aprender, a ensinar e a se deixar como legado do que notas perfeitas nos boletins.
No final do ano passado fui a duas formaturas de ensino fundamental. E hoje elas acontecem em algumas escolas particulares com toda pompa, antes comum apenas em colação de grau universitário. Enfim, novos tempos em que assistimos adolescentes de 13, 14 anos vestidos de gala para receber seu certificado de conclusão do nono ano. Mas a intenção deste artigo não é me aprofundar nesse assunto, afinal se estamos em uma era em que muitos aniversários de criança custam o mesmo que um casamento de 20 anos atrás, talvez seja essa a maneira encontrada por escolas para encantar os pais e garantir matrículas para o ensino médio.
Bem, o que quero mesmo é trazer à luz uma reflexão sobre as premiações que essas mesmas escolas atualmente concedem a seus alunos ao final de cada ciclo ou ao longo da vida do fundamental. Nas duas formaturas que tive a oportunidade de testemunhar, as diretorias das escolas premiaram alunos que conquistaram notas muito altas e também destacaram algumas equipes esportivas, como um time de basquete ou uma equipe de ginástica, que venceram algum torneio local ou estadual, as quais foram nomeadas durante o evento com certificado e felicitações. Justo. Mas premiados mesmo foram apenas seis alunos (três de cada escola) que, imagino, provavelmente obtiveram notas entre 9,75 e 10,0, pois foram os únicos em um total de aproximadamente 300 “formandos” que receberam prêmios e bolsas de estudo para o ensino médio no próximo ano. Bolsa integral foi concedida a um único aluno, que obteve as medias mais altas em todos os anos. Fiquei imaginando qual teria sido a media dele. 10,2?
É claro que essa prática não é exclusividade dessas duas escolas. O que relatei nada mais é do que uma prática muito antiga da chamada instituição escola, que permanece nos dias atuais e que, habitualmente, premia apenas alunos que atingem pontuação próxima da perfeição. É a supervalorização da nota pelo sistema de ensino e pela sociedade, por meio de PROVAS e EXAMES que, ao final do processo, pouco influenciarão o desenvolvimento humano, emocional e comportamental de crianças e jovens. Que fique claro que não sou contra premiar crianças e jovens por suas notas altas, seu esforço e sua capacidade para “tirar de letra” provas e exames curriculares. Aliás, acredito na meritocracia e sem dúvida alguma ela deve ser estimulada na escola e no trabalho. Mas a tal nota à qual nos acostumamos na escola, pode revelar que esses felizardos têm facilidade, talento ou capacidade acima da média em algumas áreas de conhecimento, mas também pode significar que são apenas excelentes em passar nos exames. Nada mais.
Sou a favor das premiações, mas sou contra premiações a apenas um caminho, uma habilidade, uma criança. Sou a favor das premiações por mérito, por esforço, por tentativa, por experiência, por ousadia, que valorizem a diversidade dos seres humanos que ali estão. Que valorizarem as muitas inteligências e capacidades. Da matemática nota 10 à capacidade de comunicação nota 10. Da ciência ao teatro. Da língua às artes.
Acho injusto e pequeno um sistema de ensino, que abriga tamanha diversidade humana, premiar apenas um aluno talentoso por passar em exames, enquanto tantos outros talentos são preteridos e não podem sequer almejar prêmios, pois suas inteligências e habilidades não estão entre aquelas que são dignas de premiações e bolsas de estudo. Um desperdício imperdoável de talentos, no qual a escola perde a oportunidade de identificar e valorizar cada jovem que ali está, para que encontrem seus canais de expressão, talentos, forças e oportunidades. E de permitir que todos eles possam sonhar com premiações, bolsas de estudo e reconhecimento, de acordo com suas próprias capacidades. Podemos premiar crianças e jovens por seus esforços e conquistas. Mas valorizemos primeiramente o ser humano, e não a nota.
Os alunos que criam algo novo não deveriam receber um prêmio? E os alunos que empreendem em projetos inusitados? Os que  gostam de política e se engajam em trabalhos comunitários fora da escola, não deveriam concorrer a bolsas de estudo? Aqueles que têm na generosidade e espírito de colaboração suas maiores virtudes, não deveriam ser valorizados? E os inventores? Os que organizam clubes de ciência. Os que se destacam em tecnologia. E aqueles que se esforçam e se apresentam com brilhantismo no palco, e no teatro? Nada? O aluno curioso, que se envolve em causas sociais e ambientais. E o estudante artista que se destaca nas feiras de arte? O músico que se expõe ao se apresentar nos festivais estudantis. E o aluno questionador, que inova? Valorizar de forma exagerada a nota como o elemento único para garantir sucesso profissional e pessoal de crianças e jovens é arriscado, perigoso e também irresponsável por parte da escola. Pois podem criar ilusão de que para enfrentar o mundo lá fora basta continuar a tirar suas notas 10, e pouco estimulam a maioria das crianças e jovens que também possui talentos, competências e capacidades, porém diferentes daquelas valorizadas nas formaturas.
Dias atrás troquei mensagens com uma amiga que atualmente está vivendo na Austrália, com marido e filhos pequenos. Em um dos meus posts sobre educação ela fez comentários e trocamos ideias a respeito desse tema. O seu relato me encheu de esperança, de que há realmente uma revolução acontecendo na educação mundial. Ela comenta que na escola de seus filhos, as crianças são valorizadas essencialmente pelo esforço, o tempo todo. Porém, o esforço amplo que pode vir de qualquer um, qualquer lugar, qualquer área de conhecimento ou até mesmo de projetos pessoais. A Sabrina, sua filha, no primeiro mês de aula ganhou um certificado de “Coragem” na natação, por ter superado o medo e se destacado. No final de todo semestre escolar, os estudantes são parabenizados em uma cerimônia muito simples, sem a pompa exagerada e desnecessária das escolas brasileiras, com entrega de outro certificado o “Student of Good Standing” por terem cumprido seus deveres, chegado no horário, colaborado com os colegas, com professores e participado da aula com entusiasmo em aprender. Crianças valorizadas pelo esforço, pela coragem e pela tentativa já é uma grande evolução em relação ao que costumamos ver na velha escola. Se estamos em uma era que exige mais colaboração do que competição, mais versatilidade do que especialização, e mais inovação do que convicção, é preciso que a valorização seja diversa e democrática. Afinal, há muito mais na vida a se aprender, a se ensinar e a se deixar como legado, do que notas perfeitas em boletins.
*Artigo escrito por Jean Sigel, especialista em Marketing, Comunicação e Inovação, e co-fundador da Escola de Criatividade. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

Do campo da Educação para os Campos Gerais do Paraná, pela conservação da vida na Escarpa Devoniana

Brunno Covello/Gazeta do Povo/Arquivo
O fluxo da vida é um processo dinâmico significativamente afetado pelas contingências da transformação social. Mas nem todo mundo quer seguir marchando ao ritmo da velha corneta do progresso. Há indícios de sobra pelos ares de que o progresso cansa, dá tosse e trará sede. Os movimentos sociais pela conservação da natureza correspondem, cada qual a seu modo, a um desejo de superação, algo que aponta para uma nova direção. A criança que o diga. A ciência que o teste. A educação que o sustente. E a arte que o impulsione.
Que venham as novas gerações a nos desafiar ecologicamente, porque essa a qual pertencemos zombou dos rios, dos mares, das matas e dos campos. E que venham logo, e nos desmatem por dentro, antes que soltemos os bois ou plantemos pinus e soja por cima de todos os seus sonhos. Que desordenem todas as nossas tradicionais expectativas de progredir irresponsavelmente, que solapem o típico egoísmo político e econômico que extingue na canetada centenas de espécies vegetais e animais. Que deflagrem um estado, um governador, uma câmara de deputados a zombar da vida em nome da fantasia do progresso. Será que ainda diremos a vocês, novas gerações, à revelia de todas as atrofias que já promovemos, que tudo foi importante, cada pinus plantado, cada grão de soja colhido, cada miligrama de agrotóxico engolido, cada deputado eleito?
Importante é aquilo que importa pois o que não importa não tem importância nenhuma. Corre nas mídias locais do Paraná, e em breve correrá nas nacionais e mundiais, a notícia de que nossos deputados votarão um projeto de lei que visa diminuir a área de preservação ambiental da Escarpa Devoniana paranaense, essa explosão de biodiversidade, esse encontro de distintos biomas, que é assim chamado porque as rochas que o sustentam possuem 400 milhões de anos. Já o mandato dos deputados que sustentamos possui apenas 4 anos. E os estragos de uma votação na assembleia legislativa podem comprometer a vida pelos próximos milhares.
Resta pouco do que havia de campos naturais, cerrado e floresta na região, que já foi amplamente devastada ao longo da história, sobretudo nos últimos 20 anos, com a expansão desordenada e, em alguns casos, ilegal do agronegócio. O patrimônio natural que ainda resiste precisa ser preservado: os rios nos lajeados, as grandes cachoeiras, os cânions, as furnas, os capões cobertos de araucária, os campos, a rica diversidade de espécies vegetais e animais, os tamanduás, lobos-guarás e suçuaranas que por lá padecem.
Espie por detrás desta equivocada iniciativa do governo do estado e de seus deputados. Aviste a sorrateira tentativa de favorecer o setor madeireiro e os produtores de soja em detrimento de um conjunto muito mais amplo de garantias e salvaguardas. O projeto de lei prevê a diminuição de dois terços da área de preservação. Dos 392 mil hectares pertencentes a APA, restarão apenas 126 mil hectares protegidos. Pelas vielas da política, fala-se também na estratégia velada de anistiar os crimes ambientais cometidos mais recentemente pela expansão do agronegócio no interior da unidade de conservação. Vastas áreas úmidas foram drenadas para a produção de soja, o que reduz significativamente o fluxo de água das encostas na direção dos rios, movimento essencial nos períodos de estiagem. A disponibilidade de água se reduz também com a drenagem para a pecuária e com o reflorestamento de pinus, pois o consumo de água de uma árvore grande é muito maior do que das vegetações naturais dos campos, o que seca o solo, impedindo que ele acumule água e redistribua, fenômeno essencial à conclusão de um ciclo vital que favorece diretamente as nossas vidas.
Estamos falando da água. A mesma que está em nós. Nós, que abrimos as torneiras de casa dezenas de vezes ao dia e recebemos nas mãos a água que agora está em vias de secar. Nós que, em razão de progressos como os do agronegócio, obrigaremos nossos netos e bisnetos a conviver com a escassez desse bem tão essencial. Frear a velha marcha do progresso e, ainda assim, seguir inovando, é o sentimento geral que nos afeta e que agora terá de nos por em movimento. Pense o que será dos que estão por vir nas próximas décadas se, por exemplo, não inovarmos na gestão dos recursos naturais e na conservação do que ainda resta de biodiversidade a nossa volta? Teremos de revolucionar as formas de consumo e de produção industrial nos próximos 30 anos para ao menos tentar minimizar os danos do colapso ambiental à vista, esse drama existencial que se tornou consenso entre cientistas que estudam o aquecimento global. Não dá para continuar fazendo o que sempre fizemos. Daqui para frente, inovaremos menos pelo fato de que queremos mais, e mais pela incontestável revelação de que precisamos de menos.
O projeto que será votado nos próximos meses na assembleia legislativa do Paraná é uma afronta à sociedade paranaense, um golpe na biodiversidade brasileira. Além disso, não leva em conta a redução de ICMS ecológico que afetará os municípios integrantes da APA, esvazia a discussão sobre o seu potencial turístico, desconsidera os trabalhos técnicos já divulgados por órgãos oficiais como a UFPR, a UEPG, a Embrapa, o IAP, o ITCG e o próprio conselho gestor da APA. Por essas razões, o projeto revela a visão atrofiada dos deputados quanto ao significado de uma unidade de conservação e confirma mais uma vez a quem estes senhores estão a serviço. É preciso pressionar estes homens, despertá-los do sono profundo do retrocesso, fazê-los perceber o tamanho da tragédia ambiental na qual estão se envolvendo. Eles terão de perceber que, neste caso, ao atender os interesses localizados do agronegócio, estão passando o rodo em cima dos interesses gerais do conjunto da sociedade.
Às vezes chego a fantasiar se o choque de um banho gelado de cachoeira, num desses grotões de estupenda beleza da Escarpa Devoniana, não seria magicamente suficiente para fazê-los acordar. Ou talvez levá-los à sala de aula de uma escola, sentá-los em meio à roda de alunos e fazê-los ouvir uma criança falar sobre conservação da natureza, esse tema que não só é parte do conteúdo escolar, como também integra as bases de uma formação ética e os fundamentos de nosso caráter. Ingenuamente, às vezes, chego a pensar que estes sérios senhores mudariam de opinião, tocados pela novidade, convertidos pela afetividade de uma criança ou rendidos de amor pelos Véus da Noiva e suas estupendas e cristalinas quedas por entre os grotões da Escarpa.
Um contato mais físico com as belezas naturais da região ou uma aproximação mais íntima com a sensibilidade infantil poderiam até ajudar a amolecer nossos corações já enrijecidos pelas marcas de um desenvolvimentismo desmedido. Mas, para além disso, é urgente reunir forças sociais e gerar uma pressão do tamanho do mundo na assembleia legislativa do Paraná, de modo a impedir a aprovação dessa lei. Muitos setores já se organizam e uma batalha de ideias está posta. Precisamos sensibilizar a totalidade dos paranaenses, em especial os educadores, que presam pela educação ambiental e podem contribuir com este debate.
Antes de finalizar, quero compartilhar uma experiência. Alguns anos atrás, em meio a um projeto de educação ambiental em uma escola de Curitiba (Trilhas), fui extraordinariamente tocado pela visão que as crianças desenvolveram sobre a conservação ambiental da Escarpa Devoniana paranaense. A influência delas resultou numa música que reúne uma parte de suas opiniões e desejos de preservação. Aqui pela Parabolé, já circulamos o Estado do Paraná cantando esta e outras canções que integram nossos projetos. Como inspiração à luta que terá de ser travada em defesa da Escarpa Devoniana, deixo aqui os versos da canção que fiz com as crianças da escola em meio a sonhos de um Paraná melhor:
Tal qual estouro de tropa
Dos velhos tempos tropeiros
O meu coração galopa
Procurando outros roteiros
Vai parar em Itaiacoca
Desce o Buraco do Padre
Vila Velha é sempre nova
Eu quero que nunca acabe
Seriemas e bugios
Pacas e Tamanduás
Araucárias, marmeleiros
Cactos e Jerivás
Muito antes dos tropeiros
Índios Tupi-guarani
Habitavam o grande cânion
Entre Castro e Tibagi
Nos campos gerais eu vou,
Vou te encontrar
Indo pro Guartelá
Eu vou (2x)
Rio Jaguariaíva corre
Eu também quero correr
Ele vai de encontro à queda
Eu de encontro a você
Campo cerrado e floresta
Já não dá para arriscar
É preciso cuidar bem
Do que resta no Paraná
Nos campos gerais eu vou,
Vou te encontrar
Indo pro Guartelá
Eu vou (2x)
*Artigo escrito por Nélio Spréa. Doutorando e Mestre em Educação pela UFPR – Universidade Federal do Paraná. Graduado em música pela FAP – Faculdade de Artes do Paraná. Palestrante, escritor e diretor da Parabolé Educação e Cultura. A Parabolé colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.