quinta-feira, 27 de junho de 2019

Educação no Brasil

Espera-se que a educação no Brasil resolva, sozinha, os problemas sociais do país. No entanto, é preciso primeiro melhorar a formação dos docentes, visto que o desenvolvimento dos professores implica no desenvolvimento dos alunos e da escola.

O processo de expansão da escolarização básica no Brasil só começou em meados do século XX

Ao propor uma reflexão sobre a educação brasileira, vale lembrar que só em meados do século XX o processo de expansão da escolarização básica no país começou, e que o seu crescimento, em termos de rede pública de ensino, se deu no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980.
Com isso posto, podemos nos voltar aos dados nacionais:O Brasil ocupa o 53º lugar em educação, entre 65 países avaliados (PISA). Mesmo com o programa social que incentivou a matrícula de 98% de crianças entre 6 e 12 anos, 731 mil crianças ainda estão fora da escola (IBGE). O analfabetismo funcional de pessoas entre 15 e 64 anos foi registrado em 28% no ano de 2009 (IBOPE); 34% dos alunos que chegam ao 5º ano de escolarização ainda não conseguem ler (Todos pela Educação); 20% dos jovens que concluem o ensino fundamental, e que moram nas grandes cidades, não dominam o uso da leitura e da escrita (Todos pela Educação). Professores recebem menos que o piso salarial (et. al., na mídia).
Frente aos dados, muitos podem se tornar críticos e até se indagar com questões a respeito dos avanços, concluindo que “se a sociedade muda, a escola só poderia evoluir com ela!”. Talvez o bom senso sugerisse pensarmos dessa forma. Entretanto, podemos notar que a evolução da sociedade, de certo modo, faz com que a escola se adapte para uma vida moderna, mas de maneira defensiva, tardia, sem garantir a elevação do nível da educação.
Logo, agora não mais pelo bom senso e sim pelo costume, a “culpa” tenderia a cair sobre o profissional docente. Dessa forma, os professores se tornam alvos ou ficam no fogo cruzado de muitas esperanças sociais e políticas em crise nos dias atuais. As críticas externas ao sistema educacional cobram dos professores cada vez mais trabalho, como se a educação, sozinha, tivesse que resolver todos os problemas sociais.
Já sabemos que não basta, como se pensou nos anos 1950 e 1960, dotar professores de livros e novos materiais pedagógicos. O fato é que a qualidade da educação está fortemente aliada à qualidade da formação dos professores. Outro fato é que o que o professor pensa sobre o ensino determina o que o professor faz quando ensina.
O desenvolvimento dos professores é uma precondição para o desenvolvimento da escola e, em geral, a experiência demonstra que os docentes são maus executores das ideias dos outros. Nenhuma reforma, inovação ou transformação – como queira chamar – perdura sem o docente.
É preciso abandonar a crença de que as atitudes dos professores só se modificam na medida em que os docentes percebem resultados positivos na aprendizagem dos alunos. Para uma mudança efetiva de crença e de atitude, caberia considerar os professores como sujeitos. Sujeitos que, em atividade profissional, são levados a se envolver em situações formais de aprendizagem.
Mudanças profundas só acontecerão quando a formação dos professores deixar de ser um processo de atualização, feita de cima para baixo, e se converter em um verdadeiro processo de aprendizagem, como um ganho individual e coletivo, e não como uma agressão.
Certamente, os professores não podem ser tomados como atores únicos nesse cenário. Podemos concordar que tal situação também é resultado de pouco engajamento e pressão por parte da população como um todo, que contribui à lentidão. Ainda sem citar o corporativismo das instâncias responsáveis pela gestão – não só do sistema de ensino, mas também das unidades escolares – e também os muitos de nossos contemporâneos que pensam, sem ousar dizer em voz alta, “que se todos fossem instruídos, quem varreria as ruas?”; ou que não veem problema “em dispensar a todos das formações de alto nível, quando os empregos disponíveis não as exigem”.
Enquanto isso, nós continuamos longe de atingir a meta de alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade e carregando o fardo de um baixo desempenho no IDEB. Com o índice de aprovação na média de 0 a 10, os estudantes brasileiros tiveram a pontuação de 4,6 em 2009. A meta do país é de chegar a 6 em 2022.

O ministro da Educação pode ser alguém insensível ao choro de uma criança?


Não são os grandes gestos os que fazem de uma pessoa um exemplo de educação, e capaz de compaixão, e sim às vezes os pequenos pormenores em nossa relação com o próximo. São esses gestos menores os que melhor refletem o fundo de nossa alma.
Foi um desses gestos minúsculos, mas significativos, que revelou há alguns dias a falta de empatia e de compaixão do ministro da Educação do Brasil Abraham Weintraub.
Cerimônia de posse do ministro da Educação, Abraham Weintraub.
Ocorreu em um voo comercial de São Paulo a Brasília. A jornalista Bela Megale contou o fato em sua coluna do jornal O Globo. Era um voo entre São Paulo e Brasília. No avião viajava o ministro da Educação, o que é digno de elogios dada a alergia que os políticos importantes manifestam a usar voos normais, lado a lado com as pessoas comuns. Preferem a independência dos aviões militares e dos particulares de seus amigos empresários seja por comodidade, seja para evitar que possam ser importunados pelas pessoas.
Não sou dos que aplaudem os passageiros que incomodam um político e um magistrado que viajam como um cidadão comum. Pelo contrário, nos tempos que vivemos de irritação política, esses personagens públicos importantes deveriam receber aplausos por seu gesto de preferir viajar sem privilégios. Ao mesmo tempo, justamente, essas pessoas importantes com cargos de responsabilidade na esfera do Estado, têm maior obrigação de ser solidárias e dar exemplo de empatia com o próximo em qualquer lugar em que se encontrem.
Não são os grandes gestos os que fazem de uma pessoa um exemplo de admiração e respeito, e sim às vezes os pequenos pormenores em nossa relação com o próximo. São esses gestos menores os que melhor refletem o fundo de nossa alma.
É o que faltou, na história contada pela jornalista, ao ministro da Educação, já dentro do avião antes de decolar. Uma aeromoça perguntou delicadamente ao ministro se ele não se importava de trocar de lugar, que além disso era mais confortável do que o seu, para que o pai e a mãe de uma menina de cinco ano, que estavam separados, pudessem viajar juntos. Enquanto a menina chorava porque queria estar ao lado de seus pais, o ministro respondeu que ele não trocaria de lugar. Não se comoveu com a dor da menina e de seus pais.
É verdade que o ministro não tinha nenhuma obrigação de trocar de lugar. Mas é nesses momentos que se reflete o que chamamos de compaixão, que significa saber se colocar no lugar do sofrimento do outro, algo que parece que está se perdendo em nossa sociedade cada vez mais desumanizada.
Nesse caso concreto me impressionou o fato de que justamente um ministro da Educação, que carrega em suas costas a responsabilidade de formar milhões de crianças não só em matemática como também em sua maneira de conviver entre eles em paz e harmonia, se sentisse indiferente à dor da pequena. Não vamos nos esquecer que o Brasil é um dos países do mundo que mais sofre a praga do bullying nas escolas.
Um ministro da Educação que é incapaz de sentir a dor de uma menina que sofre por medo de precisar viajar no avião separada de um de seus pais, e que é incapaz de aceitar o pequeno incômodo de se levantar para trocar de assento, cria no mínimo dúvidas sobre sua sensibilidade humana para presidir um ministério tão importante e delicado como o da formação da infância.
Se essa história, que pode parecer menor, mas que possui uma grande carga simbólica, me causou mal-estar, não me deixou melhor a maioria dos comentários sobre a notícia que defendiam a atitude do ministro. Hoje se fala mais do que nunca que a definição de “brasileiro cordial”, criada por Sérgio Buarque de Holanda em seu famoso livro Raízes do Brasil que correu o mundo, nunca foi verdade. Já se questiona se o brasileiro alguma vez foi cordial já que sua idiossincrasia continuou viva, da colonização à escravidão mal resolvida, da sobrevivência das castas e a dificuldade de aceitar os diferentes.
Como Maira Streit escreveu na revista Fórum, basta abrir os olhos hoje para observar que esse brasileiro cordial, se alguma vez existiu está morrendo asfixiado pelo rancor, o ódio e o medo ao diferente, seja de gênero e ideologia. “Casos como o da menina de 11 anos apedrejada por seguir o Candomblé, a apresentadora negra atacada com ofensas na internet, os adesivos que colocam a primeira presidenta do país em poses sexuais vexatórias, o homem amarrado a um poste e linchado no Maranhão, as estatísticas crescentes de assassinatos de LGBTs e jovens da periferia mostram que, definitivamente, estamos longe de ser o país do respeito às diferenças”.
Maira tem razão quando é categórica no julgamento sobre a sociedade brasileira que estamos vivendo e que um Governo de extrema direita está sendo fomentado. Ela se refere ao repúdio e até à perseguição a tudo que é diferente e à obsessão pelas armas e pelo assédio aos que não pensam como eles como se tratassem de feras que devem ser abatidas: “Uma coisa é certa: caíram as máscaras até hoje tão utilizadas para esconder as formas mais perversas de preconceito e exclusão. O que resta é a face nua do autoritarismo, escancarada por um setor da sociedade que trabalha diuturnamente para golpear a democracia, conquistada a duras penas. E acrescenta: “A raiva agora exposta se revela ávida por colocar em prática seus delírios mais violentos contra grupos historicamente vulneráveis, ensinados a viver entre as paredes do medo. E não nos enganemos. Esta é uma guerra, como todas as outras, em que todos saem perdendo”.
Nesse contexto não é de se estranhar que possa parecer normal o gesto do Ministro da Educação que se sentiu insensível diante das lágrimas da pequena que não queria se separar de seus pais no avião. Melhor cada um pensar em seu próprio conforto.
Alguém será capaz nesse país intranquilo política e espiritualmente, de levantar sua voz com autoridade para deter essa onda de loucura que lhe percorre, para que possa voltar a ser admirado e amado fora de suas fronteiras por sua capacidade de aceitar o estrangeiro, sua sensibilidade humana e sua alegria de saber viver sem guerras com todos sentindo-se respeitados e acolhidos?
Um pequeno exemplo de minha parte.
Quando há quase 20 anos cheguei como jornalista desse jornal ao Brasil o que mais me assombrou, após ter percorrido o mundo, foi a simpatia e até carinho com que nós estrangeiros éramos acolhidos. Hoje, até muitos leitores meus me pedem, mal-humorados, que volte para a Espanha. Não irei, ainda que sinta falta e me doa não ter mais aquele Brasil, que espero que esteja dormindo e anestesiado.






Formação pessoal: a importância das habilidades sociais na Educação

Na sociedade uma grande parte das atividades humanas é social. Isto implica ter certo grau de habilidade em matéria de relações interpessoais.

Quem sabe comunicar com uma conduta assertiva pode expressar o que pensa em uma situação social com confiança

  • As habilidades sociais são o conjunto de estratégias de conduta e as capacidades para aplicar essas condutas que nos ajudam a resolver uma situação social de maneira eficaz.
  • As habilidades sociais permitem expressar os sentimentos, atitudes, opiniões ou direitos de maneira adequada à situação na qual o indivíduo se encontra enquanto respeita as condutas dos outros indivíduos.
  • As habilidades sociais nos fazem melhorar nossas relações interpessoais, faz com que nos sintamos bem, obter o que queremos e conseguir o que os outros não nos impeçam de conseguir os nossos objetivos.
  • Estes comportamentos são necessários para interagir e se relacionar com os demais de maneira eficaz, e mutuamente satisfatória e, por tanto, necessários para a educação. Os seres humanos estão em constante interação social e, por isso, precisa dispor das habilidades sociais necessárias e adequadas para que esta interação ocorra de forma eficaz.
    A convivência se trata de um componente fundamental de nossa vida como seres humanos. A nossa qualidade de vida depende do seu sucesso ou do seu fracasso. É por isso que saber conviver, assim como saber se relacionar com as pessoas que se encontram ao nosso redor se transformou em uma das riquezas más apreciadas em nossa sociedade.
    Por esta razão surge a necessidade de se perguntar se nascemos com essas qualidades ou podemos adquiri-las. Não há dúvidas de que existem certas pessoas mais propensas que outras para a aceitação do outro, o que é um princípio fundamental na hora de alcançar uma boa convivência.
    A vida oferece uma grande variedade de situações, e por sua vez estas situações se estabelecem em uma grande variedade de contextos e, por outro lado, nos movemos submetidos a uma grande variedade de pressões provocadas, algumas vezes, por nosso próprio temperamento e outras produzidas pelo meio. Por tudo isso é que nos vemos obrigados a nos exercitarmos seriamente na arte da convivência.
    O indivíduo precisa exercitar-se no desenvolvimento sistemático das habilidades sociais e isto se transforma em uma condição necessária para que seja forjada a personalidade, aceite e seja aceita, e se sinta confortável consigo mesma e com os demais.
    As habilidades sociais são as que nos proporcionam a capacidade de interagir com os outros em determinado contexto social e de uma maneira aceita ou valorizada socialmente e pessoalmente benéfica. São o nexo entre o indivíduo e o seu meio.
    A competência em habilidades sociais é imprescindível para que as pessoas se sintam valorizadas, aceitas e para que manifestem condutas socialmente competentes.
    Além disso, está claro que existe uma relação muito próxima entre competência social e bom funcionamento acadêmico. Todos os pesquisadores coincidem em garantir que os alunos emocionalmente inteligentes possuem um bom nível de autoestima aprendem mais e melhor, apresentam menos problemas de conduta e se sentem bem consigo mesmos. 
    Estas habilidades sociais, entre as que se destaca a assertividade, são fundamentais em qualquer processo comunicativo.
    A pessoa que sabe comunicar com uma conduta assertiva, é capaz de expressar e transmitir espontaneamente o que pensa e sente em uma situação social, de forma apropriada, com confiança, defendendo os próprios direitos e influindo nos demais sem violar os direitos alheios.
    Esta conduta assertiva, que se aprende, se experimenta e melhora com a prática, pode ser determinante para que o processo educativo culmine com sucesso em uma mudança de atitude do indivíduo ou coletivo. Daí a sua importância e sua necessidade de aprender técnicas que permitam superar as dificuldades assertivas e treinar de forma ativa esta habilidade social.

"O mundo está perplexo com a destruição da educação no Brasil", diz Nicolelis

“O mundo inteiro está pasmo. Revistas internacionais de ciência dedicaram espaços que o Brasil nunca ganha, como por exemplo na Nature, para falar do total espanto e choque que é qualquer governo de um país como o nosso tentar criminalizar e afogar as universidades, ao invés de promover, defender e ampliar seus horizontes” , diz Miguel Nicolelis, considerado um dos maiores cientistas do mundo



Rute Pina, Brasil de Fato - O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis vive há três décadas no exterior e roda o mundo para divulgar sua pesquisa científica. Por isso, não tem dúvidas ao sentenciar: a comunidade internacional está perplexa com os desmontes e cortes na educação pública anunciados pelo governo brasileiro, chefiado por Jair Bolsonaro (PSL).
“O mundo inteiro está pasmo. Revistas internacionais de ciência dedicaram espaços que o Brasil nunca ganha, como por exemplo na Nature, para falar do total espanto e choque que é qualquer governo de um país como o nosso tentar criminalizar e afogar as universidades, ao invés de promover, defender e ampliar seus horizontes”, diz.
Em maio, estudantes e professsores protagonizaram protestos massivos por todo o país após o anúncio do corte de bolsas e da redução do orçamento das instituições federais, que respondem por mais de 90% da pesquisa científica no país. 
Nicolelis é um dos principais nomes da ciência brasileira. O engenheiro biomédico foi considerado, em 2009, um dos 20 maiores cientistas da atualidade pela revista Scientific American. 
Professor da Duke University, nos Estados Unidos, ele lidera o Projeto Andar de Novo. O trabalho já logrou que dois paraplégicos voltassem a caminhar por meio do desenvolvimento de um dispositivo de estimulação muscular e de uma interface cérebro-máquina.
De passagem por São Paulo (SP), o cientista conversou com o Brasil de Fato antes de uma palestra no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. 
Na entrevista, ele lembra que o extinto programa Ciência Sem Fronteiras levou o Brasil para outro patamar no mercado científico internacional. “Foi um dos maiores programas de fellowshipscientíficas do mundo”, defende.
Ele afirma que o asfixiamento das universidades públicas, a perseguição das ciências humanas e a redução científica impactam em perda de soberania do país. “Nenhum país distribui colaboração ou know-how espacial. O Brasil teve que construir tudo na força da sua própria competência científica, no CTA [Centro Técnico Aeroespacial] de São José dos Campos e aplicando na base de Alcântara. E nós estamos dando de mão beijada isso.” 
O pensamento crítico, lembra o cientista, é o antídoto para conter o avanço de pensamentos anticientíficos como o terraplanismo e teorias que negam as mudanças climáticas – que cada vez mais ganham espaço internacionalmente.
Abaixo, confira a íntegra da conversa.
Brasil de Fato: A pauta da educação movimentou, neste semestre, os maiores protestos no país. E o tema também esteve no centro de algumas crises do governo, que culminou em queda, por exemplo, do primeiro ministro nomeado para pasta. Qual sua avaliação da gestão da educação pelo governo federal nestes seis meses?
Miguel Nicolelis: O fato que a educação mobilizou tanta gente no Brasil mostra que ela é central no discurso e no pensamento da sociedade brasileira. O grande drama, que sinto, é a falta de aprofundamento dessa questão. Falar que é a favor da educação, todo mundo é a favor. E a gente viu que o tema foi capaz de mobilizar talvez o maior número de pessoas [nas ruas] desde a eleição. O que é surpreendente, por um lado. Mas, por outro, não é porque todas as famílias e camadas sociais brasileiras sabem que a esperança de seus filhos, netos e todos os jovens têm — e o país tem — de um futuro melhor reside nas oportunidades educacionais.
Eu acho que o que mobilizou mais ainda, que é muito diferente de qualquer outra coisa que a gente viu em muito tempo — eu não me lembro nem no governo militar de ter visto nada semelhante — é a perspectiva de asfixiamento das universidades e institutos federais. Eles correspondem a mais de 90% da produção científica do Brasil. E o almejo da grande maioria dos jovens brasileiros de cursar um ensino superior de alto nível, que se transformou em uma das maiores malhas educacionais de ensino superior público do mundo. 
Então, eu acho que no momento em que a sociedade brasileira começou a ver declarações, medidas e decretos que claramente apontavam para um estrangulamento das universidades federais, gerou-se um fator catalisador. Essas expressões, curiosamente, se desenvolveram a partir da perspectiva de se perder esse grande patrimônio nacional, que é a rede universitária federal. E, evidentemente, que até agora a gente não viu qual é a proposta do governo para os ensinos superior, básico nem ensino nenhum. O que a gente viu foi uma crise atrás da outra. 
Não só eu, mas o mundo inteiro está pasmo. Revistas internacionais de ciência dedicaram espaços que o Brasil nunca ganha, como por exemplo na Nature, para falar do total espanto e choque que é qualquer governo de um país como o nosso tentar que criminalizar e afogar as universidades, ao invés de promover, defender e ampliar seus horizontes. Basicamente usar o corte de verbas como a grande estratégia para calar o pensamento intelectual, o pensamento dos jovens, dos professores e dos funcionários. É uma grande calamidade.
O governo tem como alvo prioritário as ciências humanas, fala muito da ideologização da sociologia e filosofia, mas a extensão desses cortes também afeta a totalidade da produção científica…
Em nenhuma das duas bandeiras faz nenhum sentido, né. Eu sou um cientista biomédico. E não existiria ciência biomédica sem a filosofia. A ciência humana é a ciência do homem, por definição. O estudo do homem, das suas relações sociais, antropológicas, as suas ambições e anseios. Então, não se pode criar essa separação. Essa separação não faz o menor sentido. E evidentemente ela não contribui em absolutamente nada para o avanço da educação dos nossos jovens. Você remover o ensino de filosofia, sociologia do Ensino Médio, por exemplo, é um descalabro tão grande do ponto de vista intelectual que fica até difícil comentar. Você não vê qual o parâmetro que pode levar esse tipo de proposta. 
E não é só aqui  [que isso é visto com preocupação], mas fora do Brasil também. Eu estava dando uma palestra na Universidade de Lisboa há quase dois meses. Era o dia da primeira manifestação dos estudantes no Brasil. Quando eu contei aos estudantes e professores da universidade o que estava acontecendo no Brasil e pedi o apoio deles, foi um choque. O Brasil forneceu estudantes para Portugal, por exemplo, com o Ciência Sem Fronteiras, que Portugal nunca teve. Os EUA tiveram um fluxo de 25 mil estudantes brasileiros. E, pela primeira vez na minha vida, eu vi universidades americanas como o MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts] e [Universidade de] Harvard abrirem escritórios em São Paulo e Rio de Janeiro para recrutar os melhores estudantes brasileiros. Eles viram não só que o talento humano era muito grande, mas eles recebiam o dinheiro do governo brasileiro para receber cada um desses alunos. 
[O Ciências Sem Fronteiras] foi um dos maiores programas de fellowships científicas do mundo. Quando eu fui para a China, os chineses estavam falando desse programa e da admiração do fato de que 108 mil brasileiros foram para o exterior estudar, no limite do conhecimento humano, para ver o que existia e voltar para cá, né. Então, na realidade, o que choca é a própria falta de lógica e noção da proposta. Você iniciar o governo tratando como inimigo a universidade pública brasileira, você está pedindo para ter problemas de grande porte. 
É preciso dar continuidade a essa manifestação de desagravo. Não adianta se ela for pontual, apenas. Claro que passa a emoção daquele dia de manifestações, que foram muito parecidas com as manifestações das Diretas Já, quando eu era aluno aqui no Brasil. Mas você precisa dar continuidade a isso porque é óbvio que é uma estratégia que não vai ser posta de lado. Ela vai continuar. E existem universidades que daqui a alguns meses não tem como funcionar. Elas não têm como desempenhar suas funções.
E como todo esse contexto reposiciona o país, geopoliticamente, e em relação à soberania?
O Brasil estava tendo uma ascendência meteórica com os investimentos que foram feitos tanto pelo Ministério da Educação quanto pelo Ministério da Saúde e [Ministério da] Ciência e Tecnologia. Essa ascendência foi notada em número de publicações, na qualidade das publicações, na qualidade de alunos brasileiros, na penetração dos cientistas brasileiros no mercado internacional de ciência… Isso era tudo muito claro. Era tangível. Você podia medir, ver. 
O mercado internacional de ciência não é fácil de se penetrar. Existem uma série de preconceitos. Eu vivo há 31 anos nos EUA, conheço de cor e salteado como você faz para impedir que certas áreas da ciência de ponta tenha a participação de países como Brasil. Na pesquisa aeroespacial, por exemplo. Na minha visita à Alcântara [no Maranhão] uns anos atrás, eu descobri que nenhum país distribui colaboração ou know-how espacial. O Brasil teve que construir tudo na força da sua própria competência científica, no CTA [Centro Técnico Aeroespacial]de São José dos Campos e aplicando na base de Alcântara. E nós estamos dando de mão beijada isso. Nem sabemos o que vamos acontecer ali dentro. 
Então, esse momento, que já vem desde 2015, quando o Brasil deixou de ser governável, com a preparação do impeachment e do golpe, e depois, no governo (de Michel Temer), a curva, eu chamo, é de ascensão e o crash da ciência brasileira. De repente, se puxou o tapete. Então imagina, você foi para fora do Brasil com uma bolsa do governo brasileiro para fazer uma pesquisa em astrofísica na Harvard e, agora, você é um doutor em astrofísica e quer voltar para o Brasil… Você vai para onde? Você vai trabalhar onde? Você vai reposicionar o Brasil nessa área como? A conclusão é essa: é uma grande tragédia que compromete drasticamente a soberania do Brasil. Não agora, somente, mas em várias décadas que estão por vir ainda.
Uma pesquisa do INCT, divulgada nesta semana, mostra que 67% dos jovens brasileiros têm interesse por ciência, o que é um dado muito positivo. Mas, em contrapartida, um a cada quatro, acredita que vacinas fazem mal. E 54% afirmam que os cientistas exageram, por exemplo, com relação a mudanças climáticas. Teorias terraplanistas, por exemplo, estão ganhando espaço em todo o mundo… Como o sr. enxerga o avanço dessas teorias anti-científicas? 
É um fenômeno histórico da humanidade, né. O que é mais assustador no momento atual é que, com a interconectividade global que existe, você consegue espalhar esse tipo de absurdo muito rapidamente. Você consegue criar movimentos, por exemplo, teve um congresso de terraplanistas nos EUA, perto de onde moro. Quer dizer, os caras foram no espaço, fotografaram a terra… Se você tinha qualquer dúvida, teve gente lá em cima que fotografou. A evidência é óbvia. Circunavegaram  a terra antes de sair para o espaço. Não dá nem para entrar em um debate como esse…
Sobre a questão climática, toda a evidência disponível e experimental de gente séria que trabalha na área evidente que demonstra o impacto humano…
Então o que explica essa negação de evidências?
A falta da formação do pensamento crítico. Os sistemas educacionais ao longo do mundo não estão conseguindo dar conta de formar pessoas que conseguem pensar criticamente. E isso não é um fenômeno nacional. Nos EUA, eu moro em uma região do país onde isso é muito frequente. E os cientistas são atacados até mesmo fisicamente.
Então, é quase curioso que depois de todo o desenvolvimento que nós experimentados cientificamente nós estejamos voltando para uma época, com toda a tecnologia que foi desenvolvida, toda a hiperconectividade… Eu falo isso no meu livro, inclusive: estamos voltando para uma época em que parece que voltamos 800 anos atrás. Estamos negando princípios básicos da descoberta científica que são clássicas. E isso é muito preocupante.
Para mim, isso é um reflexo claro do momento em que o mundo vive de como as tecnologias digitais estão reprogramando nossos cérebros, como elas estão alterando nossa percepção da realidade e como é tão fácil uma pessoa criar uma realidade paralela e conseguir administrar ela para milhões de outras pessoas. Na minha opinião, esse é um dos problemas mais sérios que nossa espécie enfrenta nesse instante: como não transformar o ser humano em um robô, num autômato, que não tem mais a capacidade de pensar por si só e de ser crítico. 
É um bombardeio, se você for parar para pensar. Se você olha para o que sai hoje nas redes sociais, é um contínuo bombardeio de teorias da realidade. E se você não tiver o mínimo de formação, o mínimo de capacidade de discernir o que é real e o que não é, fica muito difícil. Às vezes, quase impossível com as manipulações de imagens e de vídeo que são feitas hoje.